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sábado, 24 de novembro de 2007

Homenagem a Luis Gama .....


Luís Gonzaga Pinto da Gama, nasceu em 21/07/1830 em Salvador-BA. Filho da africana nagô Luiza Mahin, uma das principais figuras da Revolta dos Malês e da Sabinada, que depois foi deportada para o Rio de Janeiro, há indícios que ela retornou ao continente africano.
Seu pai era um fidalgo de origem portuguesa, de uma rica família baiana, mas viciado em dos jogos de azar. Depois que sua mãe foi exilada por motivos políticos, Luís, com apenas 10 anos, foi vendido como escravo pelo próprio pai, sendo levado para o Rio de Janeiro e depois para São Paulo.
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Foi comprado por um alferes no município de Lorena. Em 1847, o alferes recebeu a visita de um estudante que ensinou Luis a ler e a escrever.Em 1848, Luís Gama fugiu, pois sabia que sua situação era ilegal, já que era filho de mãe livre. Após seis anos de uma tumultuada carreira no exército, deu baixa no serviço militar em 1854. Dois anos depois voltou à Força Pública.
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Luís Gama inaugurou a imprensa humorística paulistana ao fundar, em 1864, o jornal "Diabo Coxo". Poeta satírico, ocultou-se, por vezes, sob o pseudônimo de Afro, Getulino e Barrabás. Sua principal obra foi "Primeiras trovas burlescas de Getulino", de 1859, onde se encontra a sátira "Quem sou eu?", também conhecida como Bodarrada.
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Autodidata, Luís Gama tornou-se advogado e iniciou suas atividades contra a escravidão, conseguindo libertar mais de 1000 cativos, mesmo agindo dentro de uma lei racista. É dele a frase: "O escravo que mata o seu senhor pratica um ato de legítima defesa."
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Luis Gama tinha em casa uma caixa com moedas que dava aos negros em dificuldades que vinham procurá-lo. Influenciou grandes figuras como Raul Pompéia, Alberto Torres e Américo de Campos mas morreu em 24 de agosto de 1882, na cidade de São Paulo, sem ver concretizada a Abolição. A sua morte comoveu a cidade e seu sepultamento foi acompanhado por muitas pessoas.
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Membro da Academia Paulista de Letras, poeta, advogado e jornalista Luis Gama e um dos mais combativos abolicionistas de nossa história, uma grande referência artística e de resistência da nossa cultura negra.
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"Em nós, até a cor é um defeito. Um imperdoável mal de nascença, o estigma de um crime.
Mas nossos críticos se esquecem que essa cor é a origem da riqueza de milhares de ladrões que nos insultam; que essa cor convencional da escravidão. tão semelhante à da terra, abriga sob sua superfície escura, vulcões, onde arde o fogo sagrado da liberdade."
Luis Gama
Quem sou eu?
Amo o pobre, deixo o rico,
Vivo como o Tico-tico;
Não me envolvo em torvelinho,
Vivo só no meu cantinho:
Da grandeza sempre longe,
Como vive o pobre monge.
Tenho mui poucos amigos,
Porém bons, que são antigos,

Fujo sempre à hipocrisia,
À sandice, à fidalguia;
Das manadas de Barões?
Anjo Bento, antes trovões.
Faço versos, não sou vate,
Digo muito disparate,
Mas só rendo obediência
À virtude, à inteligência:

Eis aqui o Getulino
Que no pletro anda mofino.
Sei que é louco e que é pateta
Quem se mete a ser poeta;
Que no século das luzes,
Os birbantes mais lapuzes,
Compram negros e comendas,
Têm brasões, não — das Kalendas,
E, com tretas e com furtos

Vão subindo a passos curtos;
Fazem grossa pepineira,
Só pela arte do Vieira,
E com jeito e proteções,
Galgam altas posições!
Mas eu sempre vigiando
Nessa súcia vou malhando
De tratantes, bem ou mal
Com semblante festival.

Dou de rijo no pedante
De pílulas fabricante,
Que blasona arte divina,
Com sulfatos de quinina,
Trabusanas, xaropadas,
E mil outras patacoadas,
Que, sem pinga de rubor,
Diz a todos, que é DOUTOR!

Não tolero o magistrado,
Que do brio descuidado,
Vende a lei, trai a justiça
— Faz a todos injustiça —
Com rigor deprime o pobre
Presta abrigo ao rico, ao nobre,
E só acha horrendo crime
No mendigo, que deprime.
- Neste dou com dupla força,
Té que a manha perca ou torça.

Fujo às léguas do lojista,
Do beato e do sacrista
Crocodilos disfarçados,
Que se fazem muito honrados,
Mas que, tendo ocasião,
São mais feroz que o Leão.

Fujo ao cego, lisonjeiro,
Que, qual ramo de salgueiro,
Maleável, sem firmeza,
Vive à lei da natureza;
Que, conforme sopra o vento,
Dá mil voltas num momento.

O que sou, e como penso,
Aqui vai com todo o senso,
Posto que já veja irados
Muitos lorpas enfunados,
Vomitando maldições,
Contra as minhas reflexões.

Eu bem sei que sou qual grilo
De maçante e mau estilo;
E que os homens poderosos
Desta arenga receosos
Hão de chamar-me — tarelo,
Bode, negro, Mongibelo;
Porém eu que não me abalo,
Vou tangendo o meu badalo
Com repique impertinente,
Pondo a trote muita gente.

Se negro sou, ou sou bode
Pouco importa. O que isto pode?
Bodes há de toda a casta,
Pois que a espécie é muito vasta.

Há cinzentos, há rajados,
Baios, pampas e malhados,
Bodes negros, bodes brancos,
E, sejamos todos francos,
Uns plebeus, e outros nobres,
Bodes ricos, bodes pobres,
Bodes sábios, importantes,
E também alguns tratantes
Aqui, nesta boa terra
Marram todos, tudo berra;
Nobres Condes e Duquesas,
Ricas Damas e Marquesas,
Deputados, senadores,
Gentis-homens, veadores;
Belas Damas emproadas,
De nobreza empatufadas;
Repimpados principotes,
Orgulhosos fidalgotes,
Frades, Bispos, Cardeais,
Fanfarrões imperiais,
Genes pobres, nobres gentes

Em todos há meus parentes.
Entre a brava militança
Fulge e brilha alta bodança;
Guardas, Cabos, Furriéis,
Brigadeiros, Coronéis,
Destemidos Marechais,
Rutilantes Generais,
Capitães-de-mar-e-guerra,
— Tudo marra, tudo berra —
Na suprema eternidade,
Onde habita a Divindade,
Bodes há santificados,
Que por nós são adorados.

Entre o coro dos Anjinhos
Também há muitos bodinhos.
O amante de Siringa
Tinha pêlo e má catinga;
O deus Midas, pelas contas,
Na cabeça tinha pontas;
Jove quando foi menino,
Chupitou leite caprino;
E, segundo o antigo mito,
Também Fauno foi cabrito.

Nos domínios de Plutão,
Guarda um bode o Alcorão;
Nos lundus e nas modinhas
São cantadas as bodinhas:
Pois se todos têm rabicho,
Para que tanto capricho?
Haja paz, haja alegria,
Folgue e brinque a bodaria;
Cesse pois a matinada,
Porque tudo é bodarrada!

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