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segunda-feira, 15 de março de 2010

Manoel de Barros (sobre poetas e poesia)



Os governos mais sábios deveriam contratar os
poetas para o trabalho de restituir a virgindade a
certas palavras ou expressões, que estão morrendo
cariadas, corroídas pelo uso em clichés. Só os poetas
podem salvar o idioma da esclerose. Além disso a
poesia tem a função de pregar a prática da infância
entre os homens.
*
Se for para tirar gosto poético vai bem perverter a
linguagem. Não bastam as licenças poéticas, é preciso
ir até às licenciosidades. Temos de molecar o idioma
para que ele não morra de clichés. Subverter a sintaxe
até à castidade: isto quer dizer: até obter um texto
casto. Um texto virgem que o tempo e o homem
ainda não tenham espolegado.
*
O nosso paladar de ler anda com tédio. É preciso
propor novos enlaces para as palavras. Injectar
insanidade nos verbos para que transmitam aos
nomes seus delírios. Há que se encontrar a primeira
vez de uma frase para ser-se poeta nela. Mas isso é
tão antigo como menino mijar na parede. Só que foi
dito de outra maneira.
*
Se você prende uma água, ela escapará pelas
frinchas. Se você tirar de um ser a liberdade, ele
escapará por metáforas. No internato, longe de casa,
eu não sabia o que fazer e fiz um aparelho de ser
inútil. E comecei a brincar com ele. Um padre disse:
- Não presta para nada; há-de ser poeta!
*
(trecho de entrevista concedida à revista Good Year, para Ana Acioly, 1989)
*
*
menino ia no mato
E a onça comeu ele.
Depois o caminhão passou por dentro do corpo do
menino
E ele foi contar para a mãe.
A mãe disse: Mas se a onça comeu você, como é que
o caminhão passou por dentro do seu corpo?
É que o caminhão só passou renteando meu corpo
E eu desviei depressa.
Olha, mãe, eu só queria inventar uma poesia.
Eu não preciso de fazer razão.


Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá (MT) no Beco da Marinha, beira do Rio Cuiabá, em 19 de dezembro de 1916, filho de João Venceslau Barros, capataz com influência naquela região. Mudou-se para Corumbá (MS), onde se fixou de tal forma que chegou a ser considerado corumbaense. Atualmente mora em Campo Grande (MS). É advogado, fazendeiro e poeta.

Um comentário:

De Lourdes disse...

Adorei o post, novas formas de compreender a poesia!
Abraços!