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terça-feira, 20 de dezembro de 2011

DIÁRIO (Alice Walker)

17 de abril, 1984
O universo manda-me sonhos fabulosos!
Esta manhã, muito cedo, sonhei com uma mulher de duas cabeças. Literalmente.
Uma mulher sábia. Forte, grisalha, cor de caramelo, com olhos cinza-azulados, num vestido estampado de flores azuis.
Que dava conselhos ao povo. A alguns brancos também, eu acho.
Sua sabedoria era para todos e era espantosa. Enquanto uma das cabeças falava, a outra parecia cochilar. 
Fiquei atônita!
Pelo que compreendi no sonho, ter duas cabeças era antigamente uma condição física real e as pessoas com duas cabeças eram consideradas sábias.
Talvez seja essa a origem do ditado: "Duas cabeças é melhor do que uma". 
Na minha opinião, isso significa que pessoas com duas cabeças, como negros, lésbicas, índios, "feiticeiros", foram eliminadas da existência.
Sua aparência as fazia "anormais", portanto sujeitas sujeitas ao extermínio.
Pois certamente essas pessoas existiram. Pois certamente essas pessoas existiram. E só entre os negros (ao que sei) um sinal da sua existência permanece na linguagem.
Pesquisadores, curandeiros, pessoas sábias com a "intuição" são chamados de pessoas "com duas cabeças".
Aquela mulher com duas cabeças era espantosa. Perguntei se o mundo ia sobreviver e ela disse: "Não" e sua expressão parecia dizer:
do modo que está, não precisa sobreviver.
Quando perguntei o que eu, nós podíamos/devíamos fazer, ela apanhou sua bengala e andou com passo decidido pela sala.
Inclinando o corpo de um lado pro outro. Ela disse:
VIVA PELA PALAVRA E CONTINUE CAMINHANDO.





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