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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Pique de bola! (crônicas de um peladeiro) por Michel Yakini.




Essa semana, caminhando na vila, a nostalgia me invadiu com dribles desconcertantes, como naqueles jogos sem sal, que faltando cinco minutos pro final o técnico aposta no talis
mã de sempre, ele entra como um leão querendo engolir o mundo, sacudindo a bateria do peito e consegue um pênalti. Ufa! 


Faz algum tempo que ando meio sem alegria em ver futebol.. Frequento estádios, desde os 9 anos, quando convencia meu pai a me levar ao Morumbi, mesmo ele odiando, e depois gostando, só pra aproximar nossas esquinas. Lembro dele comentando um gol do Nélio, 10 do Flamengo nos anos 90, numa arrancada fulminante, num gol maravilha, se virando pra mim e dizendo: “Esse cara tem pique de bola!”, e assim ficou: sempre que um craque enchia os olhos do meu pai essa frase era de praxe, eu ria como se ele tivesse feito um gol de placa e oferecido pra mim.


Depois, meu falecido tio Tato, irmão do meu pai, me acompanhava nos jogos, era um são-paulino apaixonado, me lembro dele contando as façanhas de Careca, Muller, Sidney e Silas, de forma épica, eu sentia heroísmo naquilo, eu via um gol do Careca, uma finta do Muller, a rapidez do Sidney e a classe do Silas e já não fazia um sentido comum, ia pro quintal e queria ser como os caras, pegava qualquer coisa que pudesse ser a minha sonhada bola de capotão e ficava fintando os zagueiros imaginários, chutava no ângulo e saia correndo de braços abertos como nosso artilheiro, pena que isso foi antes de eu começar a ir aos jogos, pois o Careca e os outros se foram, os bons de bola naquela época viravam brasilianos. Me restava ficar em frente à TV, aos domingos de manhã, arrumando a antena com bombril e torcendo pro jogo televisionado ser o do Napoli, o então nanico italiano que ficou forte como os petardos de Careca, o “Carecone”, e gigante como o argentino “El Pibe” o único que corria com a bola grudada nos pés. 

Quando não era o Napoli, era o Milan, ficava observando aquele grandalhão do Suriname, na época acreditava ser mesmo um holandês, correndo altivo com a bola, com suas tranças e seu charmoso bigode. Rudd Gullit, talvez seja o camisa 10 mais injustiçado dos anos 90, sempre quando se fala do Milan e da Holanda os holofotes são pro 9, Van Basten, e os créditos das muitas assistências de Gullit, não são lembradas com a mesma dignidade, tenho certeza que nossa admiração pelo fino da bola de Seedorf, botafoguense também nascido no Suriname, venha dessa nascente. 



O futebol brasileiro andava meio capenga essa época, ressaca pós-copa de 90, mas aos poucos a beleza voltou a reinar, Telê Santana montou um esquadrão no tricolor, empolgante. Meu tio, voltou a ir ao estádio e me levou, alguns jogos que vimos no Pacaembu são marcantes, como aquele São Paulo 3 x 0 Santos, em 92, no ultimo gol, do Toninho Cerezo, eu já tinha tomado uns goles da cerveja do meu tio e chorei de ver, a gente tava no coro do “olé... olé... olé...” e o gol premiou nosso espetáculo, aquele time era poético, jogava no ritmo do Trio Esperança, eu gostava de ouvir os jogos na rádio Jovem Pan só pra ouvir vinheta: “...É gooolll!!!!.... O meu time é alegria da cidade .... É gooolll.... que felicidade...”. 



O futebol começou a ser uma paixão sem limites, ao longo dos anos passei a ir mais aos jogos, fui em muitos clássicos, coisa que não faço hoje em dia, lembro de um São Paulo 1 x Palmeiras/Parmalat 1, em 93, como tinha gente boa jogando: Zetti, Raí (o terror do Morumbi), Cafu (o terror do Pacaembu), Ronaldão (tiiiiiiira!), Válber (não firmou na seleção, mas era um zagueiro camisa dez), Muller, Palhinha (esse fazia poesia com a bola), Roberto Carlos, César Sampaio (que classe), Zinho, Edmundo e o Telê .... Ah... O velho mestre, fazia questão de ir aos treinamentos só pra ver ele de perto, jeito ranzinza, cheio de moralismos, mas era o autógrafo mais disputado, reverenciado: “Mestre, Mestre...”, eu, muleque de tudo, olhava pra ele com orgulho.




A gente saia num bonde da rua e cabulava aula só pra ver os ver os treinos, o Alê, o Bola e eu... Batíamos cartão, por conta de o Alê ser palmeirense a gente colava no CT vizinho também, mas dava gosto ver o coletivo, uma vez o Roberto Carlos dominou a bola do tiro de meta, já dando um drible da vaca no esforçado Maurílio, reserva do Edmundo, lindo de ver. A gente voltava sorrindo, com uns papéis rabiscados cheios de autógrafos e contando vantagem na vila, tentando imitar as graças nas peladas quase diárias. 


Agora, ficam as lembranças e o joelho latejante castigado nos terrões mundo afora. Comecei, aos 7, querendo ser ponta direita, se chegar numa pelada hoje e disser que é ponta direita, vira chacota. Nas ultimas investidas, lá pelos 18, 19, já tava na quarta zaga. Cheguei a ser capitão de alguns times do bairro: no A.D Pirituba, no Paulistinha, no Jardim Regina, treinei até no juvenil do A.D Guarulhos (eterno B1 do Paulista), do Juventus (Muleque Travesso da Mooca), alternando uns lampejos-classudos-malandros de Válber e na maioria das vezes chutando pra onde o nariz apontava, como bem ensinou Ronaldão.




Ficam as lembranças e o joelho latejante. Sei que por paixão não vou deixar de ir aos estádios, tá além de mim, vou pelo futebol, pelas quatro linhas, só por isso e às vezes nem isso encontro, mas a Geral que mais me inflama hoje, são as calçadas do meu bairro, ao ler os versos improvisados escritos com os pés descalços. 


Admiro a mulecada tirando racha no asfalto, dá vontade de correr junto, pra tirar onda. O que me intriga é os nomes que eles incorporam na hora de fazer uma bela jogada, na minha época era gracioso os nomes mágicos que assumíamos, a gente ficava de tronco ereto, cabeça erguida, erguia o pulso e recitava: Muller! Dener! Evair! Viola! Neto! Giovanni! 



E num piscar éramos eles, éramos super-heróis, agora o batismo é por conta de uns caneleiros que só vendo, mas a mulecada tem talento, viu? É cada fera que eu espio por aí, que se meu pai ver, com certeza dirá: “Esses aí tem pique de bola!”. 





crédito de imagem: Blog Cassio Zirpoli (Diário de Pernambuco)

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