Há
quem diga que o artista é um ser difícil: umbigueiro, esteta puritano, egoísta
e desbundado são algumas das acusações. Por conta da confusão entre artista
e celebridade, ser artista se tornou um pecado capital, e a arte e seu
espetáculo um inferno, sem volta.
O
engraçado é ver os burocratas e suas boinas frustradas, aderindo à arte (o
pecado que assombra a verdade), por não conseguirem emocionar ninguém com seus
discursos empoeirados e suas babas de incoerência. Eles tem se valido do espaço
da arte pra plantar minas explosivas no território da criação.
Eles
não cantam, não dançam, não versam, não pintam, não tocam, não colaboram, não
fode e nem saí de cima! Mas adoram um palco, tem orgasmos por holofotes quando cospem
no microfone e o pior: tem um ego equivalente a de seus gritos e esbravejadas.
Um ego revestido de palavras como: coletivo, atitude, luta, irmão, tamô junto,
eu respeito... e mais um monte de vocabulário aprendido nas escolinhas do
movimento estudantil.
Nunca
aceitam ser coadjuvantes, só querem os louros da liderança e da persuasão, e normalmente
tem alguns capachos pra massagear e defender seus chiliques, pois eles não querem
se expor, preferem ficar de conchavo pra ver se acusa alguém de não respeitá-lo.
Gostam mesmo é de supervisionar, vigiar, deixar tudo limpinho e ficar olhando
de perto se algum artista está saindo do seu eixo quadrado.
Como
já estão mais manjados que plantar bananeira, eles ficam por aí, caçando um
publico qualquer, que carinhosamente chamam de “nossa comunidade”, pra
convencê-los de silenciar a música, ignorar a poesia, ficar de cara amarrada e
sem ritmo, pra ouvir as “coisas importantes” arquitetadas em uma cadeira concursada,
no condomínio engradado ou nas salas de pós-graduação. Mas não dizem nada com
essas palavras. Como bons militantes, líderes natos, estudam como construir um
bom discurso, como viver de retórica e como fazer a maioria esquentar a
mamadeira de seus ideais.
São
os exorcistas da arte, e estão heroicamente à solta, impedindo a criação, o
descontrole, a liberdade e a arruinação dos seus projetos prontos que não saem
do papel. Não são diferentes de um pastor neopentecostal, quando o assunto é
arte. Pregam que apresentar um espetáculo, sorrir, celebrar e existir é digno
de queimar nos mármores do inferno. Já, já vão chamar artista de encosto, falta
pouco.
Dizem
que o mundo está se tornando um produto, e a arte é um refém indefeso,
inocente, puro, que não entende, ou ignora essa corrupção. Pena que vivem no
mundo do capital, onde os alunos são o produto da educação, os pobres o produto
da assistência social, os militantes o produto da politica, assim como a arte é
um produto da cultura. Agora: alguém pode me dizer o que não é produto nesse
mundo? Dou um pirulito colorido com a cara do Marx.
Hora,
hora, a arte é nosso terreiro, pode chegar quem quiser, pra experimentar, se
confundir, se rever, pra criar e fazer o que bem entender. Mas não é um campo
seguro pra quem teme as profundezas, pra quem não coloca o pé no chão, com receio
de ficar resfriado, não é território pra gente medrosa, mascarada de coragem. Se
não concordam com nossa arte, nos deixe em paz! Não mexa com o que nos é
sagrado! Já vai tarde!
Senão
estão contentes ao nosso lado, que vão pros gabinetes de algum partido, lá vão
encontrar o que precisa. Melhor: Monte o seu partido, peça voto, faça cartilha
de conduta, mas não se esqueça de divulgar seus serviços de previsão do futuro,
pois vocês tem tudo seguro na palma da mão, sabem de tudo, planejam tudo, não
importa a opinião de quem está, de quem chega, e de quem virá.
Mas
arte é agua, sacô? Vocês não são tão bons em lógica? Ainda não perceberam?
O
pior é que não largam o osso, pois a arte é menina dos olhos. A arte tem
público. O que seria de vocês se nossos cantos, nossas cores e nossas músicas
não abrissem alas pro “momento-palanque”?
Tudo
bem, apesar de vocês não verem nada de importante e combativo em nossa arte, não
vou tentar convencer burro brabo empacado em teorias. Mas na hora que vocês forem
à minoria, tentem exercer a democracia que vocês tanto gostam, mas não praticam.
É lógica tá, bebê? Não é isso que vocês vivem nos ensinando?
Já
é um saco aguentar ego de artista com mania de celebridade, mas o pior mesmo é
aguentar ego de charuto-cubano-com-chilique-de-filho-único. Santa paciência!
Ah,
só mais um toque: Se vocês não gostam e não veem nada de interessante na arte,
nos palcos, nos shows e nos espetáculos, principalmente quando é a gente, “os
pecadores”, que estão lá, parem de comprar ingresso no SESC, parem de ir à
Virada, de procurar show gringo pra pagar um sapo, não ouça música, não vá ao
teatro, não frequente exposições, não dance desengonçado, não faça poesia, tire
a máscara! Assim você pode ter uma moral equivalente pra falar com quem não tem
esse acesso. Até porque a arte mexe com
energia, com fluido e se você vê nela um demônio, tá de braço cruzado no
terreiro. Sacô?
A
terra é redonda e é pra girar!
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