De tanto ficar varrendo a nossa rua, engoli muita poeira,
muita mesmo, e achei melhor me recolher. Não consigo ficar contemplando o caos
de cima da laje o tempo todo, ardem os olhos. Então, fui pro meu quintal e é
aqui que cuido das palavras, fico de chamego com elas. É bom que se diga: todo
chamego tem lá seus dias de choque, mais ainda sim é chamego.
Reguei as
folhas, reforcei o varal, religuei os fios, recolei os canos e até o caminho entre
a porta de casa e a rua ficou mais livre. Há quem possa dizer que isso aqui não
é quintal nem aqui, nem em lugar nenhum, mas a gente é assim, chama corredor
estreito de quintal. É aqui que me sobra um tiquinho de sol de tardezinha,
enquanto ouça as fantasias da minha pequena.
É aqui que ouço o movimento da porteira e espio se o lodo da escada não
tá perigoso pra subir na laje. Daqui do meu quintal, até a rua fica mais
nítida.
Na nossa rua
não consigo desligar a esteira da solidão, nem convencer as chatices que não
tenho interesse na terra prometida, seja sagrada, seja profana. Não deixei de
caminhar pela nossa rua, gosto de ir a esquina jogar bafo e voltar pro meu
quintal sem figurinha repetida. Gosto de ouvir as lorotas que os verdadeiros me
contam, com eles escambo mentiras, mas não vou ficar varrendo poeira, disso o
vento e as certezas se encarregam.
Quero ficar
no meu quintal, ficar de chamego com as palavras. São elas que me dizem o
quanto sou contraditório, sem risco de punição ou desconfiança, são elas que me
fazem ser. Só assim encaro nossa rua sem medo, resolvido, sem crise de saber
que o fim não será hoje, e o inicio não foi ontem. E apesar do risco de
escorregar no lodo dos degraus, subo na laje sem receios, sei que na hora certa
as asas se abrem, só preciso ser, deixar ser.
No meu
quintal, cuido das palavras e elas cuidam de mim, não me diluo nos restos de
feira, posso ser casca de banana, laranja podre, ou a garapa que renova a
chegada da manhã, tanto faz o que dizem, mas quero continuar sendo. Vou a nossa
rua quando quero, subo na laje se precisar, mas meu quintal é minha passagem, é
onde colho os rastros de cada caminho, onde tomo sol de tardezinha, onde ouço
as fantasias da minha pequena, onde recebo meus cúmplices companheiros, onde
cuido das palavras e é aqui que prefiro ficar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário