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quinta-feira, 27 de março de 2014

Que pasa, sarau? (por Michel Yakini)


Entre abril e maio de 2014, alguns saraus dos arrabaldes de SP estarão nas periferias de Buenos Aires e também na Feira de Livros que acontece na capital portenha.

Essa feira homenageia nossa Gotham-Sampa, e por isso a Secretaria de Cultura reconheceu os saraus, escritores, poetas, editoras independentes, slams e coletivos para representar nossa cidade no evento. Nada mais justo, pois se as vozes e os versos estão sacudindo a poesia por aqui, muito se deve a essa ebulição.

Que as palavras voam, não tenho dúvida. Que não há como ignorar a grandeza desse tal sarau, dessa tal literatura periférica/marginal, é fato. Que o caldo que transborda pode ser alimento para outras aldeias, digno. Que a gente vive um momento impar na cultura de quebrada e há de ficar um legado firme, tudo indica.

Mas essa engrenagem gira em várias partes, nénão?

Estamos colhendo um fruto antigo, que vem do hip-hop, só pra citar um irmão mais próximo, e mantemos a chama dessa história de artes, revides e anunciações acesa. A roda não foi inventada, só baila diferente e evita soberbas sem sentido.

Se não surgisse Sarau do Binho, Sarau da Cooperifa, a Revista Caros Amigos/Literatura Marginal, talvez que não fosse tão florido, né? Quiçá tivesse árido, mas já que tá bonito assim, agora a culpa é coletiva.

Com o serviço público a conversa tá mais equilibrada, longe do ideal, mas não dá pra dizer que nada mudou. Não tô falando de prefeito, gestão, secretário, nem o caramba a quatro. Tô falando de gente, que trampa lá há tempos e tem feito um esforço pra pautar nossa voz.

Quem é sabe. Citar nomes causa injustiças, mas posso dizer de quem eu conheço e dois parceiros são fundamentais nesse processo: Rosa Falzoni e Gil Marçal, que independente de gestão ou função, vem abrindo margem pro melhor não é de hoje. Os dois são bola de meia, não cortam fita de inauguração, e nem tiram foto pro jornal do bairro, conhecem a arte de quebrada, e tem o meu respeito.  

Outro inimigo dado é a academia, a tal universidade, que nos fez sinônimo de objeto e fonte de teses empapadas de miserê e chupinhação, mas tem lá suas ressalvas. De novo: não tô falando de prédio, sigla, reitor, nem sobrenome canônico.

 A primeira a defender em tese a literatura de quebrada é a Dra. Érica Peçanha do Nascimento, jovem, negra, moradora do Jaraguá, quebrada nossa da zona norte. Sua peleja escancarou muitas e muitas pesquisas nesse campo e se tornou referência por escrever sobre os seus semelhantes como sujeitos de um estudo renomado. Hoje, Érica é citada em bibliografias de pesquisas, mas também é parceira do movimento e isso merece ser dito.

Assim, o mundo nos conhece. Que o diga o mexicano Alejandro Reyes, autor da obra “Vozes dos Porões – A literatura periférica/marginal do Brasil”, bela prosa e crítica sobre os nossos textos e movimentos e que compõe a tese de doutorado dele, mas que chegou a nossa palma e discussão.

 Há também a brasileira Silvia Lorenso, que está difundindo nossa literatura nos Estados Unidos, em escambo com os poetas de lá. Sei que tem mais gente por lá nessa intenção, só não conheço os nomes ainda. Outras duas pesquisadoras são responsáveis por ecoar nossa poética pelo mundo.

 Ingrid Hapke chegou aqui com seu tipo nórdico, sob olhar de desconfiança, visitou muitos saraus, provou que tem um trabalho sério e voltou com a mala cheia de livros. Ela criou um acervo de literatura de periferia em Hamburgo, na Alemanha, o que gerou frutos: escritores e poetas estiveram por lá, e falaram para estudantes que já haviam lido nossos livros. Quer mais moral que isso?

E agora é a vez de Buenos Aires, convite feito, tudo armado, articulação a mil. Mas pergunto: Que sentido faz Buenos Aires receber os poetas das quebradas de SP? Onde a maioria não tem obra traduzida e nem são conhecidos no próprio país? Se você conhece a portenha Lucía Tennina, talvez isso faça sentido.     
    
   Lucía se interessou por Literatura Brasileira na Universidade de Buenos Aires, e em vez de ficar embolorada no cânone, apostou na vertente que conheceu em uma palestra da pesquisadora Heloisa Buarque. Veio pro Brasil conheceu nossos versados e também voltou com a mala cheia. Articulou a chegada de autores, organizou antologias e por isso nossa voz soa com menos estranhamento por lá.

Vamos a Buenos Aires, escambar ações e práticas, mas também para lançar um livro, traduzido e organizado por Lucía. A obra trás um panorama de autores dos já conhecidos saraus. 

Temos mérito nessa chegada, e fazemos jus a isso, só não podemos ignorar as mãos que plantaram conosco essas sementes. Pois assim como: Rosa, Gil, Érica, Reyes, Silvia e Ingrid, Lucía Tennina merece reconhecimento, e se os saraus vão hablar español logo mais, sem dúvida ela é uma das principais culpadas.

Dito isso:
Hasta pronto, poetas!
Saravá, Buenos Aires!
Vamos!



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