Entre abril e maio de 2014,
alguns saraus dos arrabaldes de SP estarão nas periferias de Buenos Aires e
também na Feira de Livros que acontece na capital portenha.
Essa feira homenageia
nossa Gotham-Sampa, e por isso a Secretaria de Cultura reconheceu os saraus, escritores,
poetas, editoras independentes, slams e coletivos para representar nossa cidade
no evento. Nada mais justo, pois se as vozes e os versos estão sacudindo a
poesia por aqui, muito se deve a essa ebulição.
Que as palavras voam, não
tenho dúvida. Que não há como ignorar a grandeza desse tal sarau, dessa tal
literatura periférica/marginal, é fato. Que o caldo que transborda pode ser
alimento para outras aldeias, digno. Que a gente vive um momento impar na
cultura de quebrada e há de ficar um legado firme, tudo indica.
Mas essa engrenagem gira
em várias partes, nénão?
Estamos colhendo um fruto
antigo, que vem do hip-hop, só pra citar um irmão mais próximo, e mantemos a
chama dessa história de artes, revides e anunciações acesa. A roda não foi
inventada, só baila diferente e evita soberbas sem sentido.
Se não surgisse Sarau do
Binho, Sarau da Cooperifa, a Revista Caros Amigos/Literatura Marginal, talvez
que não fosse tão florido, né? Quiçá tivesse árido, mas já que tá bonito assim,
agora a culpa é coletiva.
Com o serviço público a
conversa tá mais equilibrada, longe do ideal, mas não dá pra dizer que nada mudou.
Não tô falando de prefeito, gestão, secretário, nem o caramba a quatro. Tô falando
de gente, que trampa lá há tempos e tem feito um esforço pra pautar nossa voz.
Quem é sabe. Citar nomes causa
injustiças, mas posso dizer de quem eu conheço e dois parceiros são
fundamentais nesse processo: Rosa Falzoni e Gil Marçal, que independente de
gestão ou função, vem abrindo margem pro melhor não é de hoje. Os dois são bola
de meia, não cortam fita de inauguração, e nem tiram foto pro jornal do bairro,
conhecem a arte de quebrada, e tem o meu respeito.
Outro inimigo dado é a
academia, a tal universidade, que nos
fez sinônimo de objeto e fonte de teses empapadas de miserê e chupinhação, mas tem
lá suas ressalvas. De novo: não tô falando de prédio, sigla, reitor, nem
sobrenome canônico.
A primeira a defender em tese a literatura de
quebrada é a Dra. Érica Peçanha do Nascimento, jovem, negra, moradora do
Jaraguá, quebrada nossa da zona norte. Sua peleja escancarou muitas e muitas
pesquisas nesse campo e se tornou referência por escrever sobre os seus semelhantes
como sujeitos de um estudo renomado. Hoje, Érica é citada em bibliografias de
pesquisas, mas também é parceira do movimento e isso merece ser dito.
Assim, o mundo nos
conhece. Que o diga o mexicano Alejandro Reyes, autor da obra “Vozes dos Porões
– A literatura periférica/marginal do Brasil”, bela prosa e crítica sobre os
nossos textos e movimentos e que compõe a tese de doutorado dele, mas que
chegou a nossa palma e discussão.
Há também a brasileira Silvia Lorenso, que
está difundindo nossa literatura nos Estados Unidos, em escambo com os poetas
de lá. Sei que tem mais gente por lá nessa intenção, só não conheço os nomes
ainda. Outras duas pesquisadoras são responsáveis por ecoar nossa poética pelo
mundo.
Ingrid Hapke chegou aqui com seu tipo nórdico,
sob olhar de desconfiança, visitou muitos saraus, provou que tem um trabalho
sério e voltou com a mala cheia de livros. Ela criou um acervo de literatura de
periferia em Hamburgo, na Alemanha, o que gerou frutos: escritores e poetas
estiveram por lá, e falaram para estudantes que já haviam lido nossos livros.
Quer mais moral que isso?
E agora é a vez de Buenos
Aires, convite feito, tudo armado, articulação a mil. Mas pergunto: Que sentido
faz Buenos Aires receber os poetas das quebradas de SP? Onde a maioria não tem
obra traduzida e nem são conhecidos no próprio país? Se você conhece a portenha
Lucía Tennina, talvez isso faça sentido.
Lucía se interessou por Literatura
Brasileira na Universidade de Buenos Aires, e em vez de ficar embolorada no
cânone, apostou na vertente que conheceu em uma palestra da pesquisadora
Heloisa Buarque. Veio pro Brasil conheceu nossos versados e também voltou com a
mala cheia. Articulou a chegada de autores, organizou antologias e por isso nossa
voz soa com menos estranhamento por lá.
Vamos a Buenos Aires,
escambar ações e práticas, mas também para lançar um livro, traduzido e
organizado por Lucía. A obra trás um panorama de autores dos já conhecidos
saraus.
Temos mérito nessa chegada, e fazemos jus a isso, só não podemos
ignorar as mãos que plantaram conosco essas sementes. Pois assim como: Rosa,
Gil, Érica, Reyes, Silvia e Ingrid, Lucía Tennina merece reconhecimento, e se
os saraus vão hablar español logo mais, sem dúvida ela é uma das principais culpadas.
Dito isso:
Hasta pronto, poetas!
Saravá, Buenos Aires!
Vamos!
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