Não costumo curtir o carnaval, desfilei
apenas uma vez, mas o samba me pegou na mão, me fez arrepiar, ainda menino, na
várzea. O futebol me deu as primeiras intenções de batucar no corpo, imitar os
ritmos, os repiques, e namorar uma bateria.
Todos os domingos, eu ia ao campo do
União, pertinho de casa, ver os jogos, principalmente do Escudo Negro e do
Ajax, e chegava mais cedo só pra ver a bateria surgir, os meus vizinhos com os
instrumentos na mão brilhavam meus olhos, pela força e pela festa que pulsavam
das suas baquetas.
Às vezes, quando o jogo do Ajax era fora
de casa, eu ia no caminhão, escondidinho, e me nutria daquela adrenalina, desde
a saída na sede, no buteco do Zé Pretinho, onde um quadro informava o jogo da
semana.
Ficava lá esperando o jogo começar e
torcendo pra alguém da bateria me reconhecer, me chamar pra tocar, me perguntar
se eu queria aprender...
Isso
nunca aconteceu, na maioria das vezes eles nem percebiam minha presença, eu
pensava que era pelo meu tamanho, mas tinha haver com certo feitiço que paira
em quem toca na bateria, e por mais que a falta de coragem me mantinha
distante, eu era enfeitiçado também.
No samba da várzea o coro da torcida não
tem letras ensaiadas, versos rimados, palmas em sincronia, mas a cornetagem aos
jogadores e ao juiz (esse dá dó), em vozes não muito numerosas, mas vibrantes,
acompanham o ritmo e aguardam ansiosas a apoteose do gol, obra dos príncipes de
ladeira. Como não consegui tocar na bateria, sonhava em jogar embalado por essa
magia.
Por um tempo os instrumentos nos estádios
foram proibidos em jogos oficiais, por causa da violência, e graças à várzea, o
samba continuou em sintonia com a bola, e o futebol em SP não se tornou aquela
coisa pomposa de violino e ópera da Champions League.
Foi assim que assumi o samba como trilha
sonora do futebol. Foi na marcação do surdo ditando o toque de bola, no repique
bailando a cadência do drible, no solo da caixa inspirando a correria do
ponta-esquerda, na ginga que emana da várzea
O laço entre o samba e o futebol na
cidade é firme e não se desfaz. A batucada que começa na sede, firma no busão e
sacode nas canchas de terra, tem fundamento nos blocos de carnaval que
representam os bairros e nas torcidas organizadas, onde a maioria se divide
entre a emoção da beira de campo e o calor da avenida.
Eu sempre quis ser jogador profissional,
o talento e a sorte não ajudaram, mas pelo menos realizei meu sonho varzeano: O
de subir poeira, com o pé na bola, e o ouvido no batuque, pois no samba da
várzea, na bateria de alambrado, muitas vezes fiz do futebol a minha folia
e do terrão a minha avenida.
Foto: Cassimano
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