Kim Ludbrook/EFE
A
Copa das Nações Africanas já tem seus finalistas: Burkina Fasso e Nigéria.
Final merecida. As favoritas Costa do Marfim e Gana ficaram pelo caminho e abriram
margem para algumas surpresas, entre essas a seleção de Mali, que chegou a
semifinal em meio a uma guerra civil no país, entre grupos muçulmanos e a intervenção
do exército francês.
Foi
a melhor campanha da seleção malinesa, desde 1972, o time nunca ganhou esse
titulo, mas seria um momento dos mais importantes para trazer o caneco. Há
quem diga e reafirme o futebol somente como alienação, mas não pode negar que é um termômetro
da identidade nacional em várias situações.
O
Brasil mesmo, até ganhar a sua primeira copa em 58, era tido como um país
menor, de pessoas com capacidade de superação duvidosa, com autoestima ferida, tachados,
por nós e pelos outros, como um país de perdedores e por mais que o futebol
aqui passou a ser cooptado pela politicagem, teve um papel fundamental para
nossa existência, pois até então erámos um qualquer na galeria dos fracassados.
O
capitão e estrela solitária de Mali, Seydou Keita, sabe bem dessa importância e
prometeu colaborar financeiramente com a premiação pela boa campanha do time: "Você não pode imaginar a emoção e estou feliz de
estar aqui hoje e ter condições de jogar uma partida
que vai trazer alegria para o meu país", disse Keita.
A
sua previsão era certa e o país parou pra ver a seleção malinesa jogar, era a
chance de chegar a final, ganhar pela primeira vez, garantir uma vaga na Copa
das Confederações no Brasil, de colocar Mali no pauta do futebol mundial e
espelhar o país positivamente, muito além da melancólica guerra.
Todo
esforço pra ver um sorriso do povo malinês e também aflorar as vozes, ir além das
lentes e paletós internacionais, suculentos pelo sangue africano, sedentos por
um batismo de "conflito étnico" ou "combate a extremistas", sem sequer dar ouvidos
ao povo da terra. Pois, por mais que nessas horas o futebol seja cafetinado,
alguma verdade há de escorrer do controle.
Um
bom exemplo foi à visita da seleção brasileira ao Haiti, vigiado pelo exército
canarinho, em 2004, no “o jogo da paz”. Nem tudo foi só festa e boa imagem, nós
passamos a olhar com mais cuidado essa “ocupação”, e as contradições apareceram:
como suicídio do general brasileiro Urbano Bacellar no Haiti e a aproximação de
parte da imprensa e dos movimentos sociais brasileiros com os haitianos. Não
houve solução concreta, mas percebemos as farsas que o jogo culminou.
Até
os lideres comunitários haitianos que consideravam aquele momento manipulador,
entraram na fila do ingresso: “Sabe como é, né, não dá pra perder um jogo com
Ronaldinho”, disse um deles no documentário “O Dia em que o Brasil Esteve Aqui”
(Direção: Caíto Ortiz e João Dornellas), um retrato da dor amenizada pelo breve,
mais significativa, felicidade que a bola nos dá.
Além
disso, há o legado que a parte mais esquecida inverte a seu favor, veja como macro-futebol-negócio,
reinventou-se nas periferias urbanas de sampa, em organizações comunitárias, reunindo
familiares e amigos pro lazer negado, no contra ponto do esporte pra poucos, pro
intercâmbio nada favorável com outras quebradas e através do futebol de várzea vem
sobrevivendo ao que o Brasil não quer ver, se quiser conferir assista: “Várzea: A bola rolada na beira do coração” (Direção: Akins
Kinte), ou vá a um campo aos domingos, nos terrões da diáspora.
Por
essas e por outras, torci pra que Mali vencesse a Copa Africana, pra ver
dos pés de Keita e companhia os gols que brotariam as vozes, os sorrisos e a
esperança do povo malinês, pois o futebol é boa parte da engrenagem enganadora,
mas tem o poder da inversão, do drible desconcertante, e nem sempre atende só ao campo inimigo. Os malineses chegaram aonde poucos acreditavam e mantiveram seu
povo vivo, alimentaram bons sonhos em meio ao pesadelo e mesmo sem o título se eternizaram
como campeões.
Nenhum comentário:
Postar um comentário