Ando desconfiando da minha Resistência. Minha resistência me faz ir às cadeias, aos abrigos, as escolas, me faz acreditar nas ruas, mas também me faz de extintor, que abafa o foco da explosão, e impede que a máscara do mundo seja desfacelada de vez.
É o espelho contendo a imagem e assim continuo como sempre. Mantenho-me aqui, faço de tudo pra não me exterminar, mas fico a deus dará, contando com a sorte, torcendo pra ela não ser ingrata e não me crucificar em alguma esquina.
Minha Resistência me faz assistir de camarote, a juventude estudantil fazendo greve na bolha maior, esticando a faixa de “Maio de 68”. Maio pra mim tem cheiro de morte, gosto de cárcere.
Aliás, a minha resistência quer me convencer que tudo começou em 60, quando a bomba explodiu na cara deles e futura geração-condomínio andou sumindo, antes de tomar o posto e se alinhar com a corja.
Sei bem, que se não sei ao certo de onde vim, é por que os meus sumiram desde o primeiro navio aportado aqui, carregado de estupro e ferocidade.
Sei bem, que se não sei ao certo de onde vim, é por que muitos dos meus foram jogados ao mar na travessia. Outros se jogaram por não aceitar essa patifaria. Aquilo era um recado: Você vai aceitar isso aí? Você acredita que pode mudar essa joça? Você vai sustentar essa mentira?
A minha resistência teima em ver algum adianto nisso tudo. É mil entrando na faculdade e um trilhão sendo apagado da memória. Comemos melhor, bebemos melhor, moramos melhor, mas só nos sobra sucata, lata velha e comida enlatada goela abaixo, nos entorpecendo de esperança.
Perguntei a minha Resistência: Qual é o caminho? Estudar? Se eles entram em Medicina e a gente sorri com o diploma-migalha de Logística? Revolta? Se eles continuam montando os palcos do movimento estudantil, enquanto a gente leva bala de ferro, e vive ameaçado por nós mesmos? Ir pro arrebento? Se quem planta são eles, quem refina são eles, quem industrializa são eles e pra gente só sobra o trono de ilusão, a cidadania prisional, as nóias e os gavetões do Dom Bosco? Trabalhar? Nem preciso tocar nesse assunto, né?
Por isso, cortei a cabeça da minha Resistência! Minha Resistência está decepada! Morta! Definitivamente! Arranquei de mim essa parte doente que me fez acreditar em farsas e utopias.
Aos poucos estou reconstituindo a memória, e se novamente só me sobrar a Resistência, me jogarei ao mar! Me jogarei pra não remediar os sinistros planos dos algozes.
Em honra e respeito aos meus, aos que não aceitaram a Resistência como única consolação.
A menos que a Resistência não seja o único caminho a seguir.
Um comentário:
É um montar e remontar desse quebra cabeça-cabeça. buscando conhecimento com os filhos da periferia, dos jardins, da Paulista. Todos no mesmo espaço, alguns construindo esperanças, outros financeiras alianças, outros herdeiros de matanças. E outros com uma mochila de poesias se revestindo de forças além do atlântico. Mantenha o fogo, o foco.
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