Tradutor

sábado, 5 de outubro de 2013

Resistência decepada. (Por Michel Yakini)



Ando desconfiando da minha Resistência. Minha resistência me faz ir às cadeias, aos abrigos, as escolas, me faz acreditar nas ruas, mas também me faz de extintor, que abafa o foco da explosão, e impede que a máscara do mundo seja desfacelada de vez. 


É o espelho contendo a imagem e assim continuo como sempre. Mantenho-me aqui, faço de tudo pra não me exterminar, mas fico a deus dará, contando com a sorte, torcendo pra ela não ser ingrata e não me crucificar em alguma esquina.

Minha Resistência me faz assistir de camarote, a juventude estudantil fazendo greve na bolha maior, esticando a faixa de “Maio de 68”. Maio pra mim tem cheiro de morte, gosto de cárcere. 

Aliás, a minha resistência quer me convencer que tudo começou em 60, quando a bomba explodiu na cara deles e futura geração-condomínio andou sumindo, antes de tomar o posto e se alinhar com a corja.

Sei bem, que se não sei ao certo de onde vim, é por que os meus sumiram desde o primeiro navio aportado aqui, carregado de estupro e ferocidade. 

Sei bem, que se não sei ao certo de onde vim, é por que muitos dos meus foram jogados ao mar na travessia. Outros se jogaram por não aceitar essa patifaria. Aquilo era um recado: Você vai aceitar isso aí? Você acredita que pode mudar essa joça? Você vai sustentar essa mentira?

A minha resistência teima em ver algum adianto nisso tudo. É mil entrando na faculdade e um trilhão sendo apagado da memória. Comemos melhor, bebemos melhor, moramos melhor, mas só nos sobra sucata, lata velha e comida enlatada goela abaixo, nos entorpecendo de esperança.

Perguntei a minha Resistência: Qual é o caminho? Estudar? Se eles entram em Medicina e a gente sorri com o diploma-migalha de Logística? Revolta? Se eles continuam montando os palcos do movimento estudantil, enquanto a gente leva bala de ferro, e vive ameaçado por nós mesmos? Ir pro arrebento? Se quem planta são eles, quem refina são eles, quem industrializa são eles e pra gente só sobra o trono de ilusão, a cidadania prisional, as nóias e os gavetões do Dom Bosco? Trabalhar? Nem preciso tocar nesse assunto, né?

Por isso, cortei a cabeça da minha Resistência! Minha Resistência está decepada! Morta! Definitivamente! Arranquei de mim essa parte doente que me fez acreditar em farsas e utopias. 

Aos poucos estou reconstituindo a memória, e se novamente só me sobrar a Resistência, me jogarei ao mar! Me jogarei pra não remediar os sinistros planos dos algozes. 

Em honra e respeito aos meus, aos que não aceitaram a Resistência como única consolação. 

A menos que a Resistência não seja o único caminho a seguir.

Um comentário:

SERGIO BALLOUK disse...

É um montar e remontar desse quebra cabeça-cabeça. buscando conhecimento com os filhos da periferia, dos jardins, da Paulista. Todos no mesmo espaço, alguns construindo esperanças, outros financeiras alianças, outros herdeiros de matanças. E outros com uma mochila de poesias se revestindo de forças além do atlântico. Mantenha o fogo, o foco.