Tradutor

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

MERECIDO DESCANSO por Michel da Silva

Marcelo chegou tão cansado naquela noite que nem agüentou assistir ao jornal da tv, como de praxe e foi direto dormir. Fez entregas durante todo dia lombando fardos e fardos de arroz nas costas. Foi um dos piores dias. Muitas entregas estavam atrasadas e o trabalho dobrou.
“Preciso de um descanso” – pensou.
Já o dinheiro não dobrou como o trabalho. Depois que Marcelo, ou melhor, Formigão (que seu apelido entre os motoristas e os chapas) teve que se filiar a uma cooperativa, ele não recebia mais por entrega e sim por dia e sua renda diminuiu. Ao contrário das promessas feita pelos responsáveis pela tal cooperativa, que afirmaram que a partir de então o dinheiro do trabalho iria ser dividido entre todos, pois todos eram donos da cooperativa.
Formigão ouvia essa conversa e desconfiava:
“Se o dinheiro e a cooperativa é de todos, porque os caras que mais falam, só ficam dentro do escritório e andando de carro?” – questionava.
Sem primeiro grau completo, pouca experiência em carteira e cinco filhos para criar, Formigão deixava o questionamento de lado e pensava:
“Melhor isso, do que nada!”
E com fé completava suas forças para acordar cedo no outro dia:
“O muito sem Deus é nada e o pouco com Deus é muito”
Formigão gostava de chegar em casa, tomar um banho e comer um belo prato de arroz e feijão. Sua esposa sempre comentava, sorrindo, sobre o seu prato:
“Nossa! Parece o Pico do Jaraguá!”
Depois ele ficava assistindo o jornal junto coma mulher e filhos. Na seqüência assistiam à novela e, quando passava, o futebol. O chamego na esposa também era de lei. Depois era só esperar o despertador tocar às cinco da manhã.
O que Formigão não soube no dia em que chegou muito cansado e não viu o jornal era que iria ter greve de Metrô, no dia seguinte. Essa era uma das conduções que ele pegava para chagar no bairro de Santana, onde trabalhava.
Ele foi pego se surpresa. De manhã estava aquele caos. Trem parecendo uma lata de sardinha. Formigão lembrava de uma brincadeira do tempo de infância ao entrar no vagão:
“Estátua!”.
Mesmo no caos, Formigão pegou dois ônibus e foi pro trabalho. Chegou tarde, mas ainda pegou uma entrega. O dia foi mais tranqüilo, em compensação o trânsito...
...Tudo parado! O caminhão não andava. O motorista, que tinha o apelido de Gaúcho, disse:
“Essa cidade é coisa de louco”! Bá!
Na volta, Formigão pegou uma condução até a estação da Luz e enfrentou outro caos:
18h30min - Plataformas entupidas e pra piorar a Policia Militar veio de capacete e tudo pra impedir o acesso dos usuários, ou melhor, dos “otários”, pois era assim que Formigão se sentiu naquele momento.
Era criança chorando, mulher desmaiando, gente brigando...
“Só Jesus”- Pensou.
Formigão chegou na sua casa, em Franco da Rocha, ás oito e meia da noite. Mesmo assim repetiu todo o ritual de casa. Na hora do jornal ficou sabendo, em uma rápida matéria, que a greve iria continuar. Ele viu algumas imagens da estação onde estava, poucas horas antes, e achou muito parecido com um filme de guerra que havia assistido. Nesse filme, os prisioneiros eram colocados em trens até o vagão entupir e depois a porta era fechada para levar os prisioneiros rumo à execução no campo de concentração.
Formigão só ficou imaginando como iria fazer para ir trabalhar no dia seguinte, pois tinha uma entrega marcada para fazer na cidade de Santos. Ele não queria perder. Era a única maneira de ir até o litoral. O mar ele nunca viu, mas só de pensar em estar perto já o deixava feliz.
Antes de dormir brincou com seus filhos e filhas, tinha uma escadinha em casa. Foi deitar coma sua esposa e a amou como na música:
“Como se fosse à última... Como se fosse à única” •.
No outro dia a estória se repetiu. Caos, caos, caos.
Formigão foi, mesmo assim, cumprir seu compromisso e fazer sua entrega, mas também foi concretizar um desejo.
Sua esposa estranhou que Formigão demorou a chegar.
Fez janta e ficou com as crianças esperando. A novela acabou e nada. Já estava passando o jornal da meia noite:
- Greve.
– Trânsito parado.
- Caos aéreo.
“Peraí! Peraí! Não muda não!” – A esposa de Formigão falou para seu filho mais velho, que estava com o controle na mão.
Na tv a noticia:
- Nosso helicóptero está sobrevoando a via Anchieta. Um caminhão tombou no inicio da noite. Parece que não há sobreviventes. Mas o trânsito já está normalizado – disse o repórter aliviado.
O reconhecimento do caminhão foi à gota d´água. Uma ligação para a empresa confirmou a triste noticia. Mãe e filhos começaram a chorar, abraçados uma ao outro, pois naquele dia Formigão deixou tudo:
Família. Trabalho sem registro. Caos. Esperança. Tudo por um desejo. O desejo do merecido descanso.

Nenhum comentário: