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segunda-feira, 22 de outubro de 2007

O Trem da Morte por Osmar Proença

Osmar Prença
Salve leitoras e leitores do blog elo da Corrente, hoje iremos postar o texto de um grande amigo, morador do bairro de Pirituba há bastante tempo, e que agora está escrevendo um pouco sobre as pessoas e o lugar onde ele vive.
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O Trem da Morte
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Alex era um muleque comum. Tinha 12 anos, outro irmão de três anos e filho de mãe solteira. O sonho de Alex era conseguir um trampo pra ajudar sua mãe, pois moravam num cortiço que quando chovia era o maior perreio. O riozinho passava em frente da sua goma e transbordava num piscar de olhos.
Nessa idade o máximo que conseguia era sair catando latinha dentro do riozinho, em meio aquela água podre. Mó perigo de pegar leptospirose ou até mesmo se cortar com cacos de vidro, mas isso não era nada, o que importava eram alguns trocados no bolso pra ajudar sua coroa e seu irmão menor que ficava na creche.
O mano Alex chegava da escola e ficava o resto do dia sem ter o que fazer. Às vezes ficava no ferro velho do seu Tonho dando uma força. Ele gostava quando alguns fregueses pediam pro seu Tonho buscar sucata com seu caminhão, isso significava um rolê garantido no Fordão. Um dia chegou uns muleques que gostavam de sair roubando o que encontrassem pela frente. Alex viu os caras cheio de cobre du bom, que vendidos no ferro velho rendeu a maior grana. Os muleques saíram fazendo planos de como gastariam sua bufunfa. Um desses caras, o Pixote, de vez em quando empinava pipa junto com Alex. Num desses encontros Alex perguntou:
- E aí mano? Onde cêis cataro esses cobre?
Pixote respondeu:
- Ah, mano! É um esquema nosso! Só ti falo se você for amanhã coma gente. Topa?
- Ta bom! Eu topo!
Então Pixote contou qual era o esquema.
Alex ficou muito empolgado, pensando na grana que iria pegar. Imaginou jogando fliperama, comendo um belo dogão com refri, pensou na sua coroa comprando danone pro seu irmãozinho e várias outras coisas.
Sábadão de manhã Pixote passou na casa de Alex e gritou:
- Alex! Ce num vai não?
- Claro que vou, mano?
- Então vamo que os caras já foram!
Alex não sabia, mas era a ultima vez que iria ver seu maninho e sua coroa. Olhou bem seu pequeno irmão, que respondeu sorrindo. Virou pra sua mãe quase se despedindo para sempre, deu um beijo nela e no pequeno Pedro, que ficou chorando, pressentindo algo estranho no ar. Alex também sentiu que algo ruim estava pra acontecer, mas voltou seu pensamento para o role, pois Pixote começou a esgoelar:
- Oh mano! Vamo logo! Os caras vão catá tudo, caraí!
- Ta bom! Já to indo!
Pixote notou que Alex estava muito estranho, mas resolveu ficar falando como gastaria sua grana. Pegaram o busão, passaram por baixo e desceram na estação de Pirituba. Vazaram a estação e pegaram o trem de boa. Forem trocando idéia até a Barra Funda, desceram e de lá seguiram a pé pelos trilhos. Chegaram até uns trens velhos que estavam parados há muito tempo, alguns pegaram fogo.
- E ai Pixote?
- É aqui mano!
- Pode crê! Vamô entra no baguio e fazer a festa, muleque!
- Demorô!
Pixote estava no começo do vagão arrancando cobre que nem louco. Enquanto Alex tava no fundo do mesmo vagão, detraído, catando o que podia, mas Pixote notou a presença de mais alguém e saiu de fininho, deixando seu parceiro pra trás.
Quando Alex ergueu a cabeça, deu de cara com um Policial Ferroviário, que gritou:
- Peguei um!
Alex foi torturado e queimado vivo.
Uma semana depois, sua coroa, sem saber o que havia acontecido, foi até o ferro velho perguntar de alguém tinha visto seu filho que estava desaparecido. Seu Tonho disse que ouviu os muleque comentando que os P.F haviam pegado seu filho e aconselhou que procurasse em delegacias e hospitais da região. Para sua maior tristeza seu filho havia sido enterrado como indigente dois dias antes. Seu parceiro bancou o safado e não falou nada a ninguém, com medo. Nunca ninguém soube ao certo o que aconteceu naquele vagão de trem.
O tempo passou e Pixote teve várias passagens pela Febem. Até que um dia saiu em liberdade. Já maior de dezoito anos resolveu fazer uma fita com outros manos e foi obrigado a sentá o dedo num cara. Em outra ocasião rodou de novo e na cadeia trombou os parceiros do cara que ele tinha fuzilado. Não deu outra... Foi zuado e depois de muito sofrimento, os maluco degolaram Pixote, que teve o corpo separado da cabeça.
Alex e Pixote, entre tantos outros, foram vitimas de uma periferia que não tem nada pra oferecer para essa rapaziada, que tem muitas vezes como únicas opções: roubar, se marginalizar, matar e destruir famílias. Inocentes que são obrigados a morar em favelas, onde o crime é predominante. Eu só queria ver essa mulecadinha tendo várias outras opções de vida, mas essa é uma outra história...

Osmar Proença