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quarta-feira, 4 de novembro de 2009

O menino que aprendeu a voar (conto inédito)

Aprendi a voar com tia Josefina. Isso mesmo. Uma senhora que anda de chinela de couro, saia de retalho e lenço na cabeça, me iniciou na arteiragem de querer voar. O seu marido, o tio Bastião, era louco pra me ver tocar viola. Dizem que ele era um cantador famoso e que sua dupla, com o falecido seu Quinzinho, tinha até se apresentado nos programas auditório. O sonho maior do tio Bastião era ter um herdeiro de corda, mas meu negócio mesmo era aprender a voar e isso a tia Josefina me ensinou.
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Bastou ela me ver tentando a estranhice de subir uma capucheta, com meio metro de linha e uma rabiola que mais parecia um rabo com sarna, e me chamou com carinho de mãe e imposição de quem quer atiçar nossa esperteza.
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Crispim venha cá! Com essa capucheta muxibenta você nunca que vai fazer isso voar, minino. Tia Josefina ria e ao mesmo tempo disfarçava, pra mostrar que estava certa do que dizia.
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Me mandou ir no fundo do quintal pegar um pedaço de bambu. Ela se encarregou de conseguir a linha e a folha de seda e depois me explicou como fazer a goma com amido de milho. O bambu virou vareta, a vareta virou um losango, a linha firmou a estrutura e a folha foi colada por cima dando vida ao meu primeiro pexinho. Enquanto a goma secava fomos cortando o saquinho de feira em tirinhas, pra fazer a rabiola. Agora sim! Uma rabiola bonita e colorida, pronta pra sorrir no ar.
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Durante a feitura, tia Josefina disse que ensinou a maioria dos meninos da vila a fazer pexinhos e pipas. Depois eles iam pra rua, porque já tinham suas próprias asas e sabiam voar. Era isso que eu devia fazer e assim fui.
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De asas em punho e destino no céu. Pronto pra adentrar na patota mais respeitada do bairro: Os empinadores de pexinhos e pipas! Tia Josefina sorriu de longe, mirando tudo da porta de sua casa. O pexinho subiu rapidinho. A rabiola delirava, parecia até que tava esperando o vento convidá-la pra dançar, igual os moços cortejando as moças nos bailes antigos, conforme o tio Bastião vive me contando. Parecia que eu já tinha aprendido essa traquinagem antes mesmo de nascer, foi mais fácil do que eu imaginei.
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Mas essa história de empinar peixinho só me iludiu porque minha maior vontade era poder dar um rélinho no avião que passava todo santo dia por cima da gente, sem pedir licença e nem deixar um recado. Além do mais, quem será que empina esse avião? Se eu conseguisse cortar suas asas, o bendito cairia mandadão pro lado de cá e com certeza o dono viria atrás. Aí esse mistério ia ser desvendado. E era bem capaz d´eu aprender empinar um desses também. Até hoje não consegui, mas um dia vou dar um rélo bem dado nesse avião metido. Por que agora, mal sabe ele, mas tia Josefina já me ensinou a voar.
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por Michel Yakini

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