Tradutor

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Paulo Colina

Esboço


O meu braço

laço e corte

é machado-foice-

pau

o meu braço

é cimento

é concreto-britadeira

é parada infernal

sou a fome em sua porta

sou tocaia nas esquinas

olha o cano

olha o punhal

sou o asco

sou só casca

sou o nó que não desata

sou notícia de jornal

não aceito mais açoite

sou orgulho sou bravata

sou açúcar sou o sal

sou o suor pelota e grama

sou cansaço coração

sou a válvula de escape

pro seu ódio emoção

eu sou ginga melodia

berro couro alegria

todo ano carnaval

sou madeira que não verga

sou o dia sou a noite

não faz mal




Algum Conceito de Movimento


A troca rápida e precisa de máscaras

atendendo a situação da cena,

não é, companheiro, um movimento.


A impulsão nos braços fraternos

para um salto vertical, em busca do poder ao nada,

menos é, companheiro, um movimento.


O sibilar da língua bifurcada da serpente,

prefaciando uma canção dolorida e amarga,

tampouco é, meu irmão, um movimento.



A demolição das casas da mente,

antes que se trabalhe a massa e o concreto,

muito menos é, companheiro, um movimento.


Ao que me consta, meu irmão,

movimento é:

logo ao primeiro encontro,

ao primeiro aperto de mão,

um sorrir sorrindo claro e aberto

com todos os dentes dos dedos

                                         e do peito;

um mergulhar nessa angústia

                                           que te disseca

e sairmos prenhes da mais pura

esperança, aos tropeços, pela cidade;

os soluços calmos do suicídio

no vórtice em fogo

entre as raízes das coxas

da mulher que te completa;

a liberdade do pensamento aflito

de esquadrinhar todos, mas todos todos

os quadrantes do firmamento.


Por isso, mano velho, companheiro em luta,

continuo ao passo do meu coração armado.


Angelus Paulista


A tarde vestiu um terno cinza

bem próprio de um sóbrio senhor.


As árvores ao lado da Igreja da Consolação

dançam lentamente ao choro-garoa-fina

                                                   do tempo.

O vento entra por todos os cantos

como se estivesse em casa.


E é janeiro!


Passam ônibus, mulheres, sombrinhas,

carros, homens, guarda-chuvas,

luzes, buzinas, apressados apressados.



As prostitutas, como sempre, no seu pronto,

sempre pronto, trotear pelas calçadas.

O poste delgado de alumínio, quase beijando

                                                          o campanário,

traça no espaço uma cruz de mercúrio.

E eu, sentado nesse duro banco de bar,

inicio minha jornada pela tua lembrança.


Nação


Há esse arfar gordo:

batidas pontuadas de pés no chão.

Não nos cabe agora o cão das salivas,

o fel que navega de tempos em tempos

por nosso território.

Não nos cabe agora o bisturi

                                                    das dúvidas.

Este o momento de desatar nós internos

como nossas canções.

Onda negra de rostos contra o sol.
.
E essa cerca colorida de arcos

                                                  de berimbau

em movimento.

Resistir jamais será um equívoco.



Paulo Eduardo de Oliveira (Paulo Colina), nasceu em Colina, interior paulista, no dia 9 de março de 1950. Poeta, tradutor, ficcionista, dramaturgo, ator, cantor e compositor. Foi diretor da União Brasileira dos Escritores(UBE), seção São Paulo, em várias gestões. Com Osvaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues, Cuti (Luís Silva) e o escritor argentino Jorge Lescano que fundou, em 1978, no Bar e Restaurante Mutamba, no Centro, o Grupo Quilombhoje, que hoje edita os "Cadernos Negros", com os quais Paulo Colina contribuiu nos números 2 e 3. Faleceu em em 8 de outubro de 1999, em São Paulo, aos 49 anos, deixando ainda dois livros inéditos: Senta que o dragão é manso, de contos e Entre dentes – drama em um ato para negros, teatro. Sua obra, embora pequena, conseguiu levar o seu discurso de respeito à diferença e contribuiu substantivamente para a divulgação da produção dos novos escritores afro-brasileiros.

Principais obras:


FOGO CRUZADO (contos) 1980 –Ed. Populares
AXÉ – ANTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DA POESIA NEGRA BRASILEIRA , 1982 – Global Editora, Prêmio APCA - Melhor livro de Poesias.

PLANO DE VÔO (poesia) 1984 – Roswitha Kempf Editores

NOITE NÃO PEDE LICENÇA (poesia) 1987 – Roswitha kempf / Editores

TODO O FOGO DA LUTA (poesia) 1989 – Scortecci Editora
ENTREDENTES (teatro) – inédito

Fontes: site PCO e Literafro-UFMG

Um comentário:

Mar Eu disse...

Que presente de Natal...
Brigaduuuu...
Muita emoção ver o poeta no nosso blog...
Palavras ditas ontem, mas sem prazo de validade...pelo menos por enquanto...