O meu braço
laço e corte
é machado-foice-
pau
o meu braço
é cimento
é concreto-britadeira
é parada infernal
sou a fome em sua porta
sou tocaia nas esquinas
olha o cano
olha o punhal
sou o asco
sou só casca
sou o nó que não desata
sou notícia de jornal
não aceito mais açoite
sou orgulho sou bravata
sou açúcar sou o sal
sou o suor pelota e grama
sou cansaço coração
sou a válvula de escape
pro seu ódio emoção
eu sou ginga melodia
berro couro alegria
todo ano carnaval
sou madeira que não verga
sou o dia sou a noite
não faz mal
Algum Conceito de Movimento
A troca rápida e precisa de máscaras
atendendo a situação da cena,
não é, companheiro, um movimento.
A impulsão nos braços fraternos
para um salto vertical, em busca do poder ao nada,
menos é, companheiro, um movimento.
O sibilar da língua bifurcada da serpente,
prefaciando uma canção dolorida e amarga,
tampouco é, meu irmão, um movimento.
A demolição das casas da mente,
antes que se trabalhe a massa e o concreto,
muito menos é, companheiro, um movimento.
Ao que me consta, meu irmão,
movimento é:
logo ao primeiro encontro,
ao primeiro aperto de mão,
um sorrir sorrindo claro e aberto
com todos os dentes dos dedos
e do peito;
um mergulhar nessa angústia
que te disseca
e sairmos prenhes da mais pura
esperança, aos tropeços, pela cidade;
os soluços calmos do suicídio
no vórtice em fogo
entre as raízes das coxas
da mulher que te completa;
a liberdade do pensamento aflito
de esquadrinhar todos, mas todos todos
os quadrantes do firmamento.
Por isso, mano velho, companheiro em luta,
continuo ao passo do meu coração armado.
Angelus Paulista
A tarde vestiu um terno cinza
bem próprio de um sóbrio senhor.
As árvores ao lado da Igreja da Consolação
dançam lentamente ao choro-garoa-fina
do tempo.
O vento entra por todos os cantos
como se estivesse em casa.
E é janeiro!
Passam ônibus, mulheres, sombrinhas,
carros, homens, guarda-chuvas,
luzes, buzinas, apressados apressados.
As prostitutas, como sempre, no seu pronto,
sempre pronto, trotear pelas calçadas.
O poste delgado de alumínio, quase beijando
o campanário,
traça no espaço uma cruz de mercúrio.
E eu, sentado nesse duro banco de bar,
inicio minha jornada pela tua lembrança.
Nação
Há esse arfar gordo:
batidas pontuadas de pés no chão.
Não nos cabe agora o cão das salivas,
o fel que navega de tempos em tempos
por nosso território.
Não nos cabe agora o bisturi
das dúvidas.
Este o momento de desatar nós internos
como nossas canções.
Onda negra de rostos contra o sol.
.
E essa cerca colorida de arcos
de berimbau
em movimento.
Resistir jamais será um equívoco.
Paulo Eduardo de Oliveira (Paulo Colina), nasceu em Colina, interior paulista, no dia 9 de março de 1950. Poeta, tradutor, ficcionista, dramaturgo, ator, cantor e compositor. Foi diretor da União Brasileira dos Escritores(UBE), seção São Paulo, em várias gestões. Com Osvaldo de Camargo, Abelardo Rodrigues, Cuti (Luís Silva) e o escritor argentino Jorge Lescano que fundou, em 1978, no Bar e Restaurante Mutamba, no Centro, o Grupo Quilombhoje, que hoje edita os "Cadernos Negros", com os quais Paulo Colina contribuiu nos números 2 e 3. Faleceu em em 8 de outubro de 1999, em São Paulo, aos 49 anos, deixando ainda dois livros inéditos: Senta que o dragão é manso, de contos e Entre dentes – drama em um ato para negros, teatro. Sua obra, embora pequena, conseguiu levar o seu discurso de respeito à diferença e contribuiu substantivamente para a divulgação da produção dos novos escritores afro-brasileiros.
Principais obras:
FOGO CRUZADO (contos) 1980 –Ed. Populares
AXÉ – ANTOLOGIA CONTEMPORÂNEA DA POESIA NEGRA BRASILEIRA , 1982 – Global Editora, Prêmio APCA - Melhor livro de Poesias.
PLANO DE VÔO (poesia) 1984 – Roswitha Kempf Editores
NOITE NÃO PEDE LICENÇA (poesia) 1987 – Roswitha kempf / Editores
TODO O FOGO DA LUTA (poesia) 1989 – Scortecci Editora
ENTREDENTES (teatro) – inédito
Fontes: site PCO e Literafro-UFMG
Um comentário:
Que presente de Natal...
Brigaduuuu...
Muita emoção ver o poeta no nosso blog...
Palavras ditas ontem, mas sem prazo de validade...pelo menos por enquanto...
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