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sexta-feira, 6 de julho de 2012

As memórias tem gosto de mulecagem. (por Michel Yakini)

Dizem que criança tem memória boa, né? Direto fico pensando quais são as memórias mais remotas que eu tenho e me pego com lembranças dos meus cinco anos de idade. A mais marcante é de uma festa, aliás de quase um mês de festas, aqui no meu bairro, durante a Copa do Mundo de 1986. Meu pai me levava pra assistir todos os jogos na casa de um vizinho.Era uma reunião porreta, muitos amigos desde infância, tipo irmãos mesmo, reunidos no quintal. Era futebol, cerveja, refrigerante, música, confraternização e um tira gosto de pele de frango com limão que eu não parava de comer. Talvez eu fico nessa nostalgia mais forte porque o futebol sempre foi a poesia maior da minha vida, desde miúdo eu ficava fascinado quando era dia de jogo, não por causa do jogo em si, mas de todo universo que abraça esse acontecimento. A festa, as amizades, as lágrimas, os quintais, a beleza e a esperança. Nossa! Como um jogo de futebol envolve a esperança da nossa gente por felicidade, por dias melhores, por um momento em que o mundo pare de tanta loucura e desencontros, pra fazer a magia reinar. Mas na boa! Pode ser que isso nada tenha a ver com futebol, deve ser mesmo o nosso magnetismo de encontro que faz essa maré encher dentro de cada um, transbordar no outro e fazer esse mar de gente se sentir numa coisa só, se encontrando  e sabendo que de uma forma ou de outra a fonte de intenção é a mesma.

Ontem, os cinco anos que vão ficar de vez na minha memória é da festa do nosso sarau. Que noite! Deve ser  por vários motivos parecidos que esses cinco anos me levaram a ser criança de novo, a ser leve, menos arrogante, e deixar minha pompa de adulto de canto. Pelo menos ontem. Era festa! Festa no nosso bairro, não era copa do mundo, mas tinha fogos, percebi a lua sorrindo na hora que os foguetes beijaram ela na boca, tipo beijo roubado, mas retribuído, sabe? Os vizinhos estavam por aqui, juntos, mas dessa vez a vizinhança era grande e fez Pirituba ficar pertinho do Campo Limpo, do ladinho do Fundão do Ipiranga, a um passo de Suzano, de frente pro Capão, dentro do quintal da Brasilândia, e a dois palitos da Avenida São João. Família grande, cheio de irmãos de criação, as Capulanas e a Brasa sabem do eu tô falando. Nosso quintal dessa vez: Bar do Santista, o pequeno-grande bar, que deixa nosso aconchego pertinho, nosso calor compartilhado, nossa noite mais intensa. E a poesia, de novo, cercando cada momento, sendo o olho d'agua que faz a nossa sede de colorido salivar. Ela que é rainha de todos os dias nessa cidade, que folego! A poesia que celebra, que entristece, que resiste e provoca, mas é imã que mora dentro do coração de cada pessoa que acredita nesse sonho de criança. Porque um sonho desses só se realiza com muita mulecagem.   

Acho que a noite de ontem, nosso sarau nunca mais vai esquecer, vai estar pra sempre na sua e na nossa memória. E o melhor é que dessa vez, ao contrário dos jogos e das copas, nossa caminhada não tem nada a perder, pois sorrindo, chorando, (re)construindo e (se)transformando, nos fogos e nas silenciosidades, há sempre um gosto de vitória esparramado entre nós.

Axé sempre!
Parabéns Sarau Elo da Corrente!



























(Fotos: Sonia Bischain)


2 comentários:

Anônimo disse...

Salve povo do Sarau Elo da Corrente.
Coração ficou apertadinho na última quinta feira, pois eu não pude estar presente nesse momento com vocês. Compromissos em outras frentes o impossibilitaram minha ida.Porém mais uma vez registro aqui o meu respeito e admiração por esse espaço, que na bolinha de meia vai espalhando novas cores nas ladeiras de Pirituba.
Para mim o Sarau Elo da Corrente, é referências para vários momentos da vida. Agradeço aos donos das estradas terem feito nossos caminho se cruzarem.
Saravá Elo da Corrente e que venham os próximos anos.
Vagner Souza - Sarau da Brasa

Paulo Rams disse...

Que venham mais muitos anos de vida! VIVA O SARAU ELO DA CORRENTE! Gente boa, gente de nossa gente.