Como estudante do curso de Letras da USP (Universidade de São Paulo), desde 2008, acompanho por meio dos informativos, ações públicas e nas conversas qual é posição desta instituição pública (professores, alunos e funcionários) com relação ao debate das cotas raciais para ingresso no vestibular.
Parte movimento estudantil, principalmente de 2010 de pra cá, vem
sinalizando as cotas como pauta, ao menos nas campanhas para Centro Acadêmico
na Letras ou mesmo para DCE (Diretório Central dos Estudantes), já ouvi e li
posições favoráveis de algumas chapas sobre essa questão, ao menos em tópicos
de prioridades. O que sinto falta é o aprofundamento da discussão, pois as
outras urgências estabelecidas pelo movimento, como a segurança, a participação
nas decisões executivas, processos contra estudantes, qualidade de ensino,
greves e permanência estudantil, propõe debates, encontros e ações, ou seja, a
democracia do espaço estudantil é um termo geral, mas as especificidades devem
ser discutidas e não só elencadas. Outro fator importante, é que essa aparição
das cotas como pauta, mesmo que precariamente, só aparece em seguimentos
ligados aos grupos ditos de “esquerda”, normalmente formados por estudantes da
FFLCH (Falculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas), mesmo assim é comum
ouvir nas salas de aula posições contrárias as cotas, com argumentos que sempre
se baseiam em questões de mérito, comparação com cotas sociais, possível
separatismo, justificativa da democracia racial e a falha na educação de base.
Creio que no seio dos movimentos sociais negros e dos intelectuais que são
favoráveis a causa o debate já avançou neste sentido e a criação de um fórum ou
seminários, em cada unidade, para esmiuçar cada argumento pode contribuir para
uma nova visão da comunidade acadêmica. Um bom exemplo é debate promovido pela
FRENTE PRÓ- COTAS DA USP, que acontecerá dia 13/11 às 18 horas no Núcleo de
Consciência negra da USP (veja: http://frenteprocotasraciaisusp.wordpress.com/).
O fato é que em agosto/2012 o Conselho Universitário (CO- órgão máximo
que discute e define as diretrizes bases da instituição) discutiu a
possibilidade de incluir essa ação afirmativa no processo seletivo da
universidade, após ser protocolado na reitoria o pedido de inserção
do tema na pauta do CO, garantida por meio de um pedido da Frente Pró-cotas
Raciais do Estado de São Paulo. O movimento negro esteve presente,
principalmente os que são ligados aos cursinhos populares, realizando um ato em
frente ao prédio em que aconteceu a reunião. Creio que o saldo tem sido
positivo, primeiramente pelo fato do contestado reitor, João Grandino Rodas,
ter se comprometido em criar uma comissão para elaborar um
modelo de seminário para a discussão do tema nas unidades da universidade e
também pelo reflexo em artigos publicados recentemente no Jornal da USP.
O Jornal da USP, é um impresso
publicado pela Superintendência da Comunicação Social da USP e assinado pelo
reitor, ou seja, a publicação semanal do jornal destaca e aponta quais assuntos
a veia majoritária da universidade acha conveniente aprofundar, normalmente
afirmando a excelência acadêmica da instituição, novos projetos, pesquisas de
destaque, alguma pista do que está por vir, além de funcionar como cartão de
visitas da USP.
Para minha surpresa, as ultimas edições (outubro e novembro) do jornal
trouxeram artigos relacionados às cotas raciais e os ambos dão um parecer
positivo sobre a concessão para oficializar o processo no vestibular. Os
artigos “Ação Afirmativa na USP”, assinada por Maria Hermínia Tavares de
Almeida (Cientista Política, Diretora do Instituto de Relações Internacionais),
e “Não há alternativas as cotas (2)”, de Tibor Rabóczay (Professor do Instituto
de Quimica), explicam e defendem o porquê a adesão é importante para USP e se
mostram coerentes em relação aos argumentos, inclusive sobre os que ainda servem
de defesa/temor da maioria estudantil.
A professora Maria Hermínia, afirma que as cotas são importantes para
reduzir a desigualdade social. Destaca que a USP tem a maioria de alunos
brancos e com isso: “(...) como nós, professores, se parecem a nossos filhos e
com eles compartilham uma experiência de vida em tudo semelhante. A USP forma
parcela das lideranças políticas, sociais, empresariais e acadêmicas do País. É
importante que faça mais do que reproduzir uma elite tão homogênea e diferente
da população (...)”, analisa. Maria Hermínia também vê positivamente
o fato da USP ter condições de
avaliar diferentes aplicações do sistema da cotas raciais no país e desmistifica
a questão do desempenho, onde muitos afirmam que os alunos que ingressam nas
ações afirmativas podem ter um aproveitamento menor que os que entram
exclusivamente pelo mérito, o que não se confirma nas estatísticas das
universidades que aplicam o sistema em que em alguns casos a média de
aproveitamento do cotista supera a dos demais estudantes, inclusive em cursos
concorridos como o de Medicina.
Já o professor Tibor, analisa que é preciso encarar a questão como
política, reivindicada por um segmento populacional considerável, pois o
racismo opera nas relações sociais (afirmação sociológica) e não pode ficar
travando no debate sobre a inexistência do conceito de raças (superado no
discurso biológico) e o que já demonstra uma tendência racista em encarar a discussão.
Seu artigo destaca também que as cotas sociais (de base econômica), não
resolvem o impasse da dupla exclusão: “45
anos de docência na USP – avalio que lecionei a mais de 2.500 alunos -, tive
contato com centenas de estudantes provenientes das camadas economicamente
desfavorecidas, mas para contar meus alunos negros bastam-me os dedos da mão”, afirma.
A expectativa e possibilidade de ingressar na faculdade segundo Tibor, podem
estabelecer outra realidade com as cotas, pois o professor constatou, conversando
com moradores da periferia paulistana, que muitos desconhecem o vestibular,
outros acreditam que o ingresso é por indicação, demonstrando uma auto-exclusão
construída historicamente, decorrente da exclusão. Nem a construção da USP
Leste pode ser encarada como um avanço neste sentido, pois em no artigo escrito
em 2005 (“Não há alternativa às cotas”) no mesmo jornal, Tibor questiona o
projeto: “(...)Iniciativas como a USP da zona leste não representam solução,
nem alternativa ao problema das cotas. Não há dúvida que a proximidade de uma
universidade da qualidade e fama da USP pode suscitar ambições e vocações na
região, portanto, trata-se de iniciativas importantes. Contudo, se as
especializações oferecidas acenarem com a possibilidade de um bom emprego
futuro e ascensão social, em curto prazo a concorrência se tornará igual ao
verificado nos campi tradicionais e se perde o papel de medida inclusiva. Se,
ao contrário, a formação se der em profissões de pouca demanda, a inclusão e
ascensão sociais serão pura ilusão, fracassando o projeto exceto para
finalidades retóricas(...)”. Esse artigo publicado em 2005 reflete
sobre a questão do temido separatismo, pois o professor aponta que a ausência
da ação afirmativa pode ser um motivador de cisão na sociedade brasileira e não
o contrário, como defendem os anti-cotas e também prevê que investir somente na
educação básica não contempla a emancipação de urgência.
Sei que para muitos de nós, que lemos, atuamos e nos interessamos pelo
assunto, os argumentos, tanto de quem está a favor ou contra, pode não ser uma
novidade, mas vejo uma boa perspectiva em saber que professores da USP, brancos
inclusive, estão defendendo bons argumentos para pensar a importância das cotas
raciais na universidade, ainda mais no jornal que representa essa instituição,
pois no geral a USP é vista como uma das universidades que mais resistem em
discutir e aderir ao sistema. Espero que bons ventos continuem a soprar, para
que a USP possa de fato ser colorida, mesmo tardiamente, uma década depois da
UERJ (Universidade estadual do Rio de Janeiro) ter inovado com essa ação no
país, e contribuir com novas possibilidades de acesso e emancipação da nossa
comunidade, depois de tanto anos de luta e (re) construção.
Leia os artigos:
“Ação Afirmativa na USP” - Maria
Hermínia Tavares de Almeida.
“Não há alternativa às cotas (2)” – Tibor Rabóczackay
“Não há alternativa às cotas” – Tibor Rabóczackay
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