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quinta-feira, 20 de agosto de 2015

RENATINHO DA CASA-GRANDE (Crônicas de um peladeiro) por Michel Yakini




Renatinho da Casa-Grande***

Dedicado ao blogueiro Maurício Barros da ESPN.

18/08/15

Na crônica “Imperdoável” publicada em 14/07/15 em seu blog, Renato Maurício Prado (O Globo/Fox Sports), narra seu encontro com Bagá, torcedor indignado com a lavada que seu querido Flamengo levou do Corinthians, pedindo a saída do técnico Cristóvão Borges, batizado pelo personagem de “Mourinho do Pelourinho”.

Cristóvão Borges rebateu, citando críticas com conotações racistas sobre seu trabalho, e eis que Renato Maurício Prado, o Renatinho da Casa-Grande, vestiu a carapuça, mas retrucou que isso não era racismo, tinha a ver com ruindade.

Se o cerco apertar, o Renatinho da Casa-Grande pode jogar a culpa no Bagá, e colocar na conta da ficção, ou se defender como algumas pálidas opiniões: “vejam, é o negro que tem preconceito contra o próprio negro”. Quase um “não sou eu, é a torcida do Flamengo que diz”.

Na crônica, Bagá (seria um diminutivo de “bagaço”?) é exaltado como “sacrossanto” e “gigante de ébano” por expressar indiretamente a opinião do autor, que também o chama de “crioulo”, e destaca sua “bocarra” e sua “beiçola” que escorre uma “baba bovina”.

Talvez o Renatinho Casa-Grande saiba, ou finge não saber, que entre outros sinônimos, “crioulo” é uma raça de cavalos, o que só confirma a desumanização dirigida a nós negros, desde a escravatura por poderosos e influentes, seja na cruz, no carpete, na literatura, no futebol...

A “bocarra” e a “beiçola” que escorre uma “baba bovina”, é uma forma de inferiorizar o diferente, assim como os nazistas faziam com as charges estereotipadas sobre o nariz do povo judeu na Alemanha. Qualquer semelhança não é mera coincidência, aliás isso tá manjado faz tempo.

Sobre o “Mourinho do Pelourinho”, além do fato de Cristóvão ser técnico, como o português José Mourinho, e ter nascido em Salvador, recordei as origens das palavras “Mouro”, nome dado aos negros muçulmanos, do latim “maure” que significa negro, ou seja, Mourinho = Neguinho, e “Pelourinho”, instrumento ou local de tortura usado na escravidão pra “dar o exemplo” a quem desafiasse a ordem vigente.

Mas Renatinho da Casa-Grande garante que animalizar um personagem negro pra insultar outro “Neguinho do Pelourinho”, não é racismo, é só porque Cristóvão Borges é ruim no que faz. Segundo ele, no bairro do Pelourinho, negros e brancos convivem muito bem hoje em dia, na hora pensei: deixa a negritude de Salvador ouvir isso...

Renatinho, como um bom sinhôzinho da crônica esportiva, sabe que ninguém vai lhe contestar, afinal, ele é amigo do rei, e quando Cristóvão for demitido, todos vão cegar diante do técnico Oswaldo de Oliveira, o queridinho do Bagá, ou seria do Renatinho, e não vão se lembrar de mais nada, pois vivemos uma democracia racial, e o problema é só o mérito, não é Renatinho da Casa-Grande?

Enfim, se tratando de Bagá (um simples torcedor rubro-negro) ou de Cristóvão Borges (comandante do maior time do Brasil), é certo que não há posição pra evitar que esse ácido social, chamado racismo, seja cuspido aos montes por quem tem o poder de exercê-lo, infelizmente.

Michel Yakini é escritor e produtor cultural
www.michelyakini.com


 ***Finalizei essa crônica ontem, 18/08/15 pro jornal Brasil de Fato, e por conta da redação estar focada nas manifestações dos movimentos sociais pelo Brasil, o texto não entrou na coluna, mas hoje Cristóvão foi demitido e Oswaldo de Oliveira foi prontamente anunciado e achei por bem publicar a reflexão.

2 comentários:

marcelo leitor disse...

O post RENATINHO DA CASA-GRANDE (Crônicas de um peladeiro), de Michel Yakini, vai na veia. Excelente. Expõe mais uma faceta da pobreza da crônica esportiva pelega e medrosa.

felipe disse...

Perfeito o artigo. RMP se acha acima de tudo e de todos e fala do jeito que bem entende, sem pensar ou até pensando friamente em ofender DETERMINADAS pessoas. Já passou da hora dele receber um castigo por toda sua arrogância. Acredito que Cristóvão Borges deveria sim levar o caso adiante dado o racismo implícito nas palavras do "comentarista 'futebolístico'" e processar e/ou entrar com acusação de racismo e discriminação o autor do texto.