Renatinho
da Casa-Grande***
Dedicado
ao blogueiro Maurício Barros da ESPN.
18/08/15
Na
crônica “Imperdoável” publicada em 14/07/15 em seu blog, Renato
Maurício Prado (O Globo/Fox Sports), narra seu encontro com Bagá,
torcedor indignado com a lavada que seu querido Flamengo levou do
Corinthians, pedindo a saída do técnico Cristóvão Borges,
batizado pelo personagem de “Mourinho do Pelourinho”.
Cristóvão
Borges rebateu, citando críticas com conotações racistas sobre seu
trabalho, e eis que Renato Maurício Prado, o Renatinho da
Casa-Grande, vestiu a carapuça, mas retrucou que isso não era
racismo, tinha a ver com ruindade.
Se
o cerco apertar, o Renatinho da Casa-Grande pode jogar a culpa no
Bagá, e colocar na conta da ficção, ou se defender como algumas
pálidas opiniões: “vejam, é o negro que tem preconceito contra o
próprio negro”. Quase um “não sou eu, é a torcida do Flamengo
que diz”.
Na crônica, Bagá (seria um diminutivo de “bagaço”?) é
exaltado como “sacrossanto” e “gigante de ébano” por
expressar indiretamente a opinião do autor, que também o chama de
“crioulo”, e destaca sua “bocarra” e sua “beiçola” que
escorre uma “baba bovina”.
Talvez
o Renatinho Casa-Grande saiba, ou finge não saber, que entre outros
sinônimos, “crioulo” é uma raça de cavalos, o que só confirma
a desumanização dirigida a nós negros, desde a escravatura por
poderosos e influentes, seja na cruz, no carpete, na literatura, no
futebol...
A
“bocarra” e a “beiçola” que escorre uma “baba bovina”, é
uma forma de inferiorizar o diferente, assim como os nazistas faziam
com as charges estereotipadas sobre o nariz do povo judeu na
Alemanha. Qualquer semelhança não é mera coincidência, aliás
isso tá manjado faz tempo.
Sobre
o “Mourinho do Pelourinho”, além do fato de Cristóvão ser
técnico, como o português José Mourinho, e ter nascido em
Salvador, recordei as origens das palavras “Mouro”, nome dado aos
negros muçulmanos, do latim “maure” que significa negro, ou
seja, Mourinho = Neguinho, e “Pelourinho”, instrumento ou local
de tortura usado na escravidão pra “dar o exemplo” a quem
desafiasse a ordem vigente.
Mas
Renatinho da Casa-Grande garante que animalizar um personagem negro
pra insultar outro “Neguinho do Pelourinho”, não é racismo, é
só porque Cristóvão Borges é ruim no que faz. Segundo ele, no
bairro do Pelourinho, negros e brancos convivem muito bem hoje em
dia, na hora pensei: deixa a negritude de Salvador ouvir isso...
Renatinho, como um bom sinhôzinho da crônica esportiva, sabe que
ninguém vai lhe contestar, afinal, ele é amigo do rei, e quando
Cristóvão for demitido, todos vão cegar diante do técnico Oswaldo
de Oliveira, o queridinho do Bagá, ou seria do Renatinho, e não vão
se lembrar de mais nada, pois vivemos uma democracia racial, e o
problema é só o mérito, não é Renatinho da Casa-Grande?
Enfim,
se tratando de Bagá (um simples torcedor rubro-negro) ou de
Cristóvão Borges (comandante do maior time do Brasil), é certo que
não há posição pra evitar que esse ácido social, chamado
racismo, seja cuspido aos montes por quem tem o poder de exercê-lo,
infelizmente.
Michel
Yakini é escritor e produtor cultural
www.michelyakini.com
***Finalizei essa crônica ontem, 18/08/15 pro jornal Brasil de Fato, e por conta da redação estar focada nas manifestações dos movimentos sociais pelo Brasil, o texto não entrou na coluna, mas hoje Cristóvão foi demitido e Oswaldo de Oliveira foi prontamente anunciado e achei por bem publicar a reflexão.
2 comentários:
O post RENATINHO DA CASA-GRANDE (Crônicas de um peladeiro), de Michel Yakini, vai na veia. Excelente. Expõe mais uma faceta da pobreza da crônica esportiva pelega e medrosa.
Perfeito o artigo. RMP se acha acima de tudo e de todos e fala do jeito que bem entende, sem pensar ou até pensando friamente em ofender DETERMINADAS pessoas. Já passou da hora dele receber um castigo por toda sua arrogância. Acredito que Cristóvão Borges deveria sim levar o caso adiante dado o racismo implícito nas palavras do "comentarista 'futebolístico'" e processar e/ou entrar com acusação de racismo e discriminação o autor do texto.
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