para Maria Eugenia Herrero
Quando houve a escolha de um Papa argentino, fiquei comparando com a quebra de paradigmas que a América do Sul protagoniza no século XXI, em que partidos socialistas e populares ganharam as eleições no Brasil, Bolívia, Argentina, Uruguai, Venezuela e Equador, em que mulheres como Dilma, Cristina e Bachelet, foram as primeiras presidentas do continente e pensei que um Papa latino vai na mesma linha de novidades.
Em Cuba, mesmo
com toda desconfiança em relação aos Estados Unidos, boa parte das pessoas viu
com bons olhos a mediação do Papa Francisco, no diálogo com o Barack Obama, e
isso culminou na chegada ovacionada de Bergoglio em Havana, sendo recebido com
honras por Raul e Fidel Castro. Quem diria?
Durante a Copa
de 2014, foi marcante ouvir o narrador argentino Alejandro
Fantino vibrando um gol de Messi, enquanto esbravejava “Goleeeee!!!
Eu tenho o Papa, vocês não tem nada! Vocês tem o Pelé, eu tenho o Papa! Vocês
tem o Pão de Açucar, o Papa Francisco está comigo!!!”. E por aí vai. Sem
contar que Bergoglio é torcedor símbolo do meu time de coração, o San Lorenzo
de Almagro.
Sem dúvidas
depois de Bento 16, sem um pingo de carisma, e apontado como simpatizante da
inquisição e do nazismo, Francisco vem dando um banho de popularidade e
aceitação. Reconhecido como humilde, como quem se identifica com os mais
pobres, Bergoglio vem conquistando admiradores pelo mundo, inclusive em outras
religiões.
Mas essa
semana, em Buenos Aires, perto da Catedral Metropolitana onde o Papa rezava
suas missas, próximo de onde se encontram as Madres da Plaza de Mayo, que
resistem pela memória de seus filhos desaparecidos durante a ditadura
argentina, descobri um motivo pelo qual o Francisco não é unanimidade, mesmo
com tanta patrióstia.
Nada a ver com
corrupções, desvios de ouro, nem pela compra irregular de papa-móveis, tampouco
por algum caso de pedofilia tão recorrente no santo ofício, muito menos por ser
adepto e bajulador de déspotas mundo afora.
Conversando com
uma amiga argentina, descobri que quando trabalhava na Catedral Metropolitana,
o senhor Jorge Mario Bergoglio Sívori, o pop
Francisco, se negava a ceder o banheiro pras Madres da Plaza de Mayo, durante as
vigílias.
Aliás,
essa mesma amiga me passou referências que demonstram que a tensão entre
Bergoglio e as Madres de Mayo é histórica e pública. Em uma entrevista
concedida em 2014, pro programa Más Vale Tarde, a senhora Hebe de
Bonafini, Presidenta da Associación Madres da Plaza de Mayo, conta que “Sin
embargo, cuando las madres tomán la Catedral, ello (Bergoglio), cerró los baños
… Yo tive que armar um baño con lona y con chapas...”.
Em 2007, Hebe escreveu uma carta colocando Bergoglio no mesmo
saco de Macri (prefeito de Buenos Aires e candidato a presidente da direita
argentina), dizendo que eles são cúmplices da ditadura, porém em 2013 quando
escreve pro então Papa Francisco, Hebe se mostra surpresa com o trabalho
pastoral de Bergoglio, num quase pedido de trégua.
Creio
que criticar Bergoglio, é diferente de criticar o Papa Francisco, tanto que o
jornal em que publico minhas crônicas não aceitou esse texto, justificando que
se trata de uma denúncia que precisava ser mais bem apurada, vai vendo...
A
questão é que nos últimos dias que estive em Buenos Aires fiquei martelando:
Porque o Papa não deixava as Madres da Plaza de Mayo ir ao banheiro?
Acho
que fiquei encucado porque de onde venho a gente aprende que é “nas menor
que a gente descobre as maior”, “que quando o bixo pega a gente vê quem
é quem” e imagino o perrengue que as mulheres, ainda mais senhoras, passam
quando não encontram um banheiro.
E
assim, no buraquinho do dente, na pontinha da unha, o sacerdote dos pobres, o
divino latino, o papa do diálogo, o carismático da vez, o orgulho no grito de
gol, o torcedor símbolo do meu querido San Lorê, pois é, ele regulava o
banheiro pras Madres da Plaza de Mayo, miguelava o banheiro a um dos maiores
símbolos de luta e resistência popular da argentina e do mundo.
Assim,
o senhor Jorge Mario Bergoglio Sívori que fez voto de pobreza e sorri sua
humildade como ninguém, mostra que desde os tempos de arcebispo era apegado a
um trono, e por isso pode renegar qualquer privilégio, menos fazer o voto da
anti-privada. Que o diga as Madres da Plaza de Mayo.
E quem quiser assistir a entrevista
da senhora Hebe de Bonafini e as cartas que mencionei, é só clicar:
http://youtu.be/NHLF3-v9s6c (entrevista ao programa Más
Vale Tarde)
http://periodicotribuna.com.ar/14102-hebe-sobre-bergoglio-en-2007-es-fascismo-es-la-vuelta-de-la-dictadura.html (cartas de 2007 e 2013
dirigidas a Bergoglio e ao Papa Francisco)
Michel Yakini é escritor e produtor
cultural
www.michelyakini.com
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