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sábado, 14 de julho de 2007

SINA DE COVARDIA por Michel da Silva

Rua 6, favela constituída, o que era só um matagal se tornou moradia de muitas famílias. Vizinhança ativa, todo mundo conhecendo todo mundo, daí vem às camaradagens e a coletividade e o calor humano. Ás vezes esse contato também gera desentendimentos e aquele sentimento de sumir. Césinha vivia falando para o seu amigo Fabinho:

- A favela é um lugar ruim, cheio de zóião! Tipo aquele cara que vendia terreno público quando nóis chegamos aqui! Não lembro mais o nome dele! Só sei que ele sumiu, por que era zóião e não ficou com porra nenhuma!

Com doze anos Césinha já fumava cigarro. Se virava fazendo avião na favela pro Dudu, um ladrão ligeiro e sangue bom. Ele adiantava um lado do Césinha. Todos os sábado eles se trombavam pela manhã, na padaria da vila. Césinha chegava, Dudu jogava uma sacola na mão dele, e os dois iam fazer a feira. Dudu pagava um pastel e o carreto para Césinha. Depois, Césinha levava as compras na casa do Dudu e entregava a sua esposa, que sempre lhe recebia muito bem. Flávia era uma preta muito bonita, típica esposa de ladrão, mas prevalecia o respeito. Dudu dava o dinheiro a Césinha, e se ele falasse que era para comprar cigarro, Dudu retrucava:

- Pra ficar fumando, mano? Para com isso ai! - Dudu repreendia.
Césinha disfarçava e não respondia.

Muitos garotos da vila faziam carretos com carrinhos de rolemã, transportando a compra dos fregueses da feira. Enquanto suas mães aproveitavam as sobras de frutas e verduras, não vendidas nas barracas.
Uma vez, Dudu presenteou Césinha com um tênis importado, coisa boa. O pessoal da vila cresceu o zóio no tênis dele. Dudu só tinha tênis bacana. Altas marcas. Isso no mundo das Congas, dos Kichute e dos chinelos de borracha. Sem contar os que nem isso podia ter.
Dudu tomava baque na veia, o chamado pico, era doidão. Conforme os boatos, morreu de AIDS, depois de alguns anos que ele e Césinha se conheceram.
Os amigos mais chegados de Césinha na favela eram o Negô, e o Fabinho. Todos moravam na Rua 6 e se identificavam pelas semelhanças, que não era só refletida pela negritude dos três.
O irmão mais velho de Césinha se chamava Carlos e tinha o apelido de Saruê, o irmão do Fabinho era o Niltinho, e o irmão do Negô era o Paraíba.
Paraíba era um menino novo, se envolveu rápido no mundo do crime, depois que chegou à cidade de São Paulo, vindo do interior do Ceará. Ele colheu os frutos cedo desse envolvimento. Divida de drogas não tem perdão. Mataram ele na frente da família, o Negô contou para o Césinha como foi à cena:

- Mano! Aqueles covardes chegaram á minha casa e picaram tanta bala no meu irmão que o barraco ficou cheio de fumaça, cheirando a pólvora! Vai vendo!

- Que cruel, mano! - Indignou-se Césinha.

- Essa fita foi um choque pra nóis, mano! Minha mãe ficou abalada. Essa fita acabou com a paz da gente. Eu e a minha irmã tamô buscando força para trazer de volta um sorriso ou um choro da nossa mãe. - Negô falou com lágrimas nos olhos.

O irmão do Fabinho era o Niltinho. Um garoto levado na escola. Quando se sentia injustiçado partia até pra briga, podia ser com quem fosse, até com professor metido a bater em aluno, como fez uma vez com seu professor de Física.
Na adolescência, Niltinho começou a cheirar farinha, logo começou a fumar pedra, se envolveu em dívidas. Foi apagado por acerto de contas. Fabinho ficou em crise por um tempo com essa fita, prometeu vingar seu irmão. Chegou a se envolver com roubos e esteve preso um tempo. Depois disso, seu filho nasceu e ele procurou criar o garoto mais de perto, junto com a sua esposa, pois não queria para ele o mesmo destino de seu irmão. De vez em quando fumava um baseado, bebia sua cerva e ficava esperto com o movimento.
Já o irmão mais velho do Césinha, o Saruê, confirma a sina vivida entre os irmãos desses parceiros. Carlos, vulgo Saruê foi assassinado em frente do ponto de ônibus, perto da sua casa. Fazia quase uma semana que ele não aparecia em casa, ficava na bocada usando crack e em uma tentativa de assalto, se deu mal, e levou essa sentença.
O Césinha, o Negô e o Fabinho, amigos de fé, tiveram seus irmãos eliminados pela tirania dos que fazem justiça com as próprias mãos. Eles se prestigiavam, se ajudavam e se identificavam com mesmo problema, até por que os malucos que mataram seus irmãos estavam todos vivos e representavam um perigo para eles também. Mesmo depois de algum tempo, com todo mundo devagar em relação ao crime e as tretas, dando um trampo, na paz, não dava para vacilar. Se os covardes embaçassem era aquilo. Por isso o lema dos três parceiros era se unir e ficar ligeiro, pra não continuar essa triste sina.

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