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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

PRESENTIMENTO Por Michel da Silva

"Dedicado aos amigos Rodrigo Ciriaco e Erica Peçanha".


Essa noite eu não consegui pregar o olho. Fiquei a noite inteira pedindo proteção e esperando ansiosamente meu filho chegar em casa. O Nilton saiu pela manhã, pra trabalhar, daquele jeito estranho dele, carregando a mochila nas costas e não voltou até agora. O sol já aponta no morro e nada dele chegar, estou realmente preocupada. Durante a madrugada chorei várias vezes, só de pensar na possibilidade de não ver mais o rosto do meu filho.

O Nilton é a cara do falecido pai, a única diferença é que a face dele é de uma negritude menos sofrida. Em parte pela idade, mas também porque nasceu em um tempo que a gente pôde garantir o básico pra ele. Pão e leite todo dia, às vezes um danone. Arroz, feijão e carne e às vezes um refrigerante. Até hoje, se quiser ver o sorriso do Nilton é só colocar um refrigerante na mesa na hora de comer, seu olhinho até brilha. Dos meus filhos, ele passou menos dificuldade, mas por Deus todos foram criados. Agora já estão todos trabalhando e ajudando em casa.

Nossa! Nem parece que eu vi meu filho pela última vez ontem. Tô com o coração apertado e quando fico assim é que alguma coisa tá pra acontecer. Minha nossa senhora (se benze três vezes), que nos proteja, proteja meu filho. Esse mundo é tão perigoso, só vejo tragédia na televisão, não dá pra não pensar no pior. Ainda mais onde a gente mora, de madrugada fica gente usando drogas na viela. A polícia quando vem não é nada amigável. Teve mãe aqui que nunca mais achou seu filho depois que ele foi preso e ficou por isso mesmo. Ainda mais hoje, sexta pra sábado... Fico com medo de confundirem o Nilton e... (pausa e chora por um instante).

Sei que o Nilton não é de briga, não usa drogas e mal gosta de beber, mas desde que começou a ler esses livros e a ouvir aqueles rap, ele ficou estranho. Ele é muito diferente dos jovens daqui. Tenho medo de alguém invocar por isso. Me disseram que quem lê demais fica louco e não quero isso pro meu filho. Sei lá... Minha mente está fervendo (passa a mão na cabeça e ascende um cigarro)

Triiiiiiim... Triiiimmm (telefone toca).

Preciso atender, preciso ser forte (coração a mil, vai de encontro ao aparelho).

- Alô! Quem é? Filho?

- Dona Martinha?

- Si-sim po-pode falar. – Espera a resposta em choque.

- Oi! Aqui é a Carla, amiga do Nilton, trabalho com ele. Preciso dar um recado pra senhora.

- Ai minha filha. O que aconteceu? (começa chorar)

- Calma dona Martinha. Eu tenho um recado dele pra senhora.

- Como assim? – Respira fundo.

- Ele pediu pra avisar que está indo pra casa e não ligou de madrugada pra não acordar a senhora.

- Mas o que aconteceu? Eu não dormi pensando nesse menino! – Esbravejou.

- Desculpe dona Martinha. Quando o Nilton chegar à senhora conversa melhor com ele.

- Mas eu to aqui aperriada!

- Eu sei. A senhora vai entender. É que ontem ele recebeu uma boa noticia e resolvemos comemorar, mas ele bebeu um pouquinho e ficou com medo de ligar e a senhora brigar.

- Comemorar o que menina? Oxi...

- O Nilton conta pra senhora, mas fique tranqüila, está tudo bem.

- Nossa que alívio... Muito obrigada mia fia – Colocou a mão sobre o peito

- Tchau! Um beijo.

- Outro, tchau!

(Respirou, respirou, sorriu, chorou, no mesmo instante).

Logo o Nilton chegou. Abriu a porta sorridente. Me abraçou e pediu desculpa. Ele me contou o porquê foi comemorar com os amigos. A única coisa que eu consegui dizer pra ele foi:

- Parabéns meu filho.

O Nilton me disse que conseguiu entrar na faculdade pública, no curso de medicina. Eu nem sabia que ele tava envolvido nessas coisas, ainda mais pra ser um futuro médico. Só o via lendo toda hora e carregando livros. Será que ele tentou me dizer antes e eu nem percebi? Meu filho, um médico! Já pensou que orgulho!

(Fechou os olhos, suspirou e sorriu).

Um comentário:

r.c. disse...

Michel, valeu irmão.
Quem merece dedicatórias agora é ti, é Raquel.
E tenha certeza: as conquistas são consequências da luta. Por não ficarmos apenas chorando, reclamando, mas fazermos.
Até,