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segunda-feira, 14 de abril de 2008

A SAGA DE UM VICIADO por Michel da Silva

Crianças sentem a falta dos pais em momentos importantes da sua vida. Seja pra falar que aprendeu a ler, que fez um gol no campinho, que andou de bicicleta sem rodinhas, ou até mesmo que bateu em alguém folgado na escola. Seja o que for, sente falta de dividir aquilo que lhe da orgulho de ser quem ela é.

Tem casa que falta o pai e a mãe vira guerreira. Tem casa que falta a mãe e o pai vira guerreiro. Tem casa que não tem pai nem mãe. Tem criança que nem tem casa. As causas do distanciamento são várias: trabalho, drogas, álcool, falta de atendimento no hospital, assassinato, separação, abandono. Enfim, cada história é um drama.

Nessa hora quem vira a referência é quem esta mais perto, quem chama atenção ou da atenção pra criança. O traficante, o amigo mais velho, ou simplesmente a rua. A escola e a creche, infelizmente, são um atrativo somente pela merenda e pelos amigos. Há pouca identidade, a não ser nas aulas de educação física que se pode jogar bola. Realidade de toda esfera pública que nos oferece (mal) seus serviços, pagos pelos nossos impostos. A culpa de tudo isso, não está numa só resposta, mas pode ser chamado descaso. Negação de direitos a quem têm direitos.

A SAGA DE UM VICIADO

Por Michel da Silva

Dinho cresceu na mesma rotina de sempre. Acordava e seus pais já tinham ido trabalhar. Muitas vezes, ia dormir e seus pais não tinham chegado. Dá-lhe hora extra. Ele acordava ás sete da manhã pra ir à escola e quem o levava, todos os dias, era sua irmã mais velha, a Lílian.

Lílian, de 14 anos, levava Dinho, voltava pra casa, fazia comida pra marmita dos seus pais, pra ela e seu irmão comerem. Depois ia pra escola. Dinho, que estava na terceira série, voltava pra casa com seus amiguinhos.

Os dois ficavam juntos em casa de tardezinha até a noite, pois Dinho não podia ficar na rua depois das 5 da tarde por ordem da mãe. Ela achava perigoso o movimento da rua nesse horário.

Todos os dias, Dinho via sua irmã com um hábito estranho. Ela ficava quieta num canto, fazendo uso de algo que ela conseguia com suas amigas na escola. Tinha vezes que do nada, Dinho observava ela rindo muito, enquanto ele assistia futebol na tv. Quando ia ao banheiro, Lílian também levava aquele negócio estranho e ficava se rachando sozinha.

Dinho ficou curioso pra saber o que era e pediu pra Lílian mostrar aquilo pra ele. Ela achou estranho, por seu irmão ser muito pequeno, mas ele como estava com vontade, não teria problema. Dinho começou a fazer uso daquilo de vez em quando. Tinha dificuldade no começo, mas quando começou a compartilhar ás viagens junto coma sua irmã, passou a rir constantemente também.

Com o passar do tempo, Lílian começou a experimentar coisas novas. Ela passou a comprar sozinha, perto da sua casa no final da rua. Durante o dia mesmo, sem nenhum problema, com dinheiro que sua mão lhe dava. Mas o novo experimento era estranho, causava temor e medo, dava a sensação de estar sendo vigiado, de pânico, a deixava com os olhos arregalados.

Dinho também mudou seu hábito e por influência da sua irmã, experimentou o novo e começou a ter sensações parecidas. Apesar de serem sensações estranhas, de medo, era instigante e cada vez queria mais.

Dinho e Lílian ficaram viciados. Tudo culpa de Lílian, que trouxe aquilo pra dentro de casa e ainda ofereceu pro seu irmão mais novo. Ela era responsável pela casa na ausência dos seus pais. Dinho ficou muito diferente, nem saia mais pra brincar na rua, como antes, por causa daquilo.

Um dia, a mãe de Lílian e Dinho, conhecida como dona Berenice, achou estranha a presença de muitos ratos dentro de sua casa. Como morava em frente do rio, ela achou que os ratos estavam atravessando a rua. Mas havia vários camundongos, então era fatal que o ninho era ali dentro. Ela resolveu fazer uma faxina. Quando abriu a porta de um armário que ficava no quarto de Lílian e Dinho, achou o flagrante:

- Lílian! Lílian! – gritou dona Berenice irritada

- Senhora mãe! – respondeu a menina

- Lílian se vai apanhar, menina! Olha que ce ta fazendo! – alertou

- O que mãe?

Dona Berenice achou o motivo do vicio de seus filhos, que estava em meio aos camundongos.

- Esse lixo, ta trazendo rato pra dentro de casa! Pode parar com isso menina! Vô conta pro seu pai quando ele chegar! Dinho ta metido nisso também?

Lílian foi até a rua contou o acontecido pra Dinho, os dois começaram a chorar, pois acharam que iriam apanhar e também por que precisavam daquilo.

- Agora eu sei por que se não faz as coisa direito em casa! Cê e seu irmão num toma mais nem banho, enquanto eu num chego! Eu pego vocêis! Se vão ficar doente desse jeito! Com certeza nem devem ta comendo! – continuou dona Berenice quando a menina voltou.

Dona Berenice tava muito nervosa e começou a chorar por que tinha problema de pressão e ficava nervosa facilmente. Ela achou o ninho do rato em sua casa. Dentro do armário, os ratos picotaram as revistas de H.Q do Chiclete com Banana, Piratas do Tiête, Turma da Mônica, MAD, Vampira Mirza, Monstro do Pântano e Cripta do Terror que Lílian comprava e ficava lendo com seu irmão em casa. Os ratos usaram as revistas para fazer ninho e deixaram dona Berenice muito brava, por isso. Ela foi obrigada a jogar todas as revistas fora, mesmo as que não estavam picotadas pelos ratos, pois ficou com medo de seus filhos ficarem doentes em contato com as revistas.

Mais tarde a raiva de dona Berenice passou e ela contou tudo ao seu marido, seu Chico, quando ele chegou do trabalho. Chico ouviu atentamente toda história. O casal ficou rindo muito, junto com seus filhos, enquanto a família jantava na cama dos pais assistindo televisão. Até dona Berenice esqueceu a raiva e riu como uma criança. Na verdade ela só tinha motivos pra comemorar.

“Esse conto é uma homenagem a minha irmã, mais velha, a Vilma, a primeira pessoa que me incentivou a ler. Em uma casa que hábito de leitura era praticamente nulo e a formação escolar não passava do primeiro grau, as revistas de H.Q de humor e terror da minha irmã me levaram pro universo das palavras. Vilma é uma pessoa que lê muito. Até hoje devora livros em poucos dias e eu influenciado fui na trilha. O fruto disso tudo: aprendi valorizar os livros e acima de tudo o conhecimento. Minha vida mudou muito, desde então, por que me tornei um viciado. Um viciado em leitura”.

Valeu mana!

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