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quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

FUTEBOL, SAMBA E FOLIA (Crônicas de um peladeiro) por Michel Yakini



Não costumo curtir o carnaval, desfilei apenas uma vez, mas o samba me pegou na mão, me fez arrepiar, ainda menino, na várzea. O futebol me deu as primeiras intenções de batucar no corpo, imitar os ritmos, os repiques, e namorar uma bateria.
Todos os domingos, eu ia ao campo do União, pertinho de casa, ver os jogos, principalmente do Escudo Negro e do Ajax, e chegava mais cedo só pra ver a bateria surgir, os meus vizinhos com os instrumentos na mão brilhavam meus olhos, pela força e pela festa que pulsavam das suas baquetas.
Às vezes, quando o jogo do Ajax era fora de casa, eu ia no caminhão, escondidinho, e me nutria daquela adrenalina, desde a saída na sede, no buteco do Zé Pretinho, onde um quadro informava o jogo da semana.
Ficava lá esperando o jogo começar e torcendo pra alguém da bateria me reconhecer, me chamar pra tocar, me perguntar se eu queria aprender...
 Isso nunca aconteceu, na maioria das vezes eles nem percebiam minha presença, eu pensava que era pelo meu tamanho, mas tinha haver com certo feitiço que paira em quem toca na bateria, e por mais que a falta de coragem me mantinha distante, eu era enfeitiçado também.
No samba da várzea o coro da torcida não tem letras ensaiadas, versos rimados, palmas em sincronia, mas a cornetagem aos jogadores e ao juiz (esse dá dó), em vozes não muito numerosas, mas vibrantes, acompanham o ritmo e aguardam ansiosas a apoteose do gol, obra dos príncipes de ladeira. Como não consegui tocar na bateria, sonhava em jogar embalado por essa magia.
Por um tempo os instrumentos nos estádios foram proibidos em jogos oficiais, por causa da violência, e graças à várzea, o samba continuou em sintonia com a bola, e o futebol em SP não se tornou aquela coisa pomposa de violino e ópera da Champions League.
Foi assim que assumi o samba como trilha sonora do futebol. Foi na marcação do surdo ditando o toque de bola, no repique bailando a cadência do drible, no solo da caixa inspirando a correria do ponta-esquerda, na ginga que emana da várzea
O laço entre o samba e o futebol na cidade é firme e não se desfaz. A batucada que começa na sede, firma no busão e sacode nas canchas de terra, tem fundamento nos blocos de carnaval que representam os bairros e nas torcidas organizadas, onde a maioria se divide entre a emoção da beira de campo e o calor da avenida.
Eu sempre quis ser jogador profissional, o talento e a sorte não ajudaram, mas pelo menos realizei meu sonho varzeano: O de subir poeira, com o pé na bola, e o ouvido no batuque, pois no samba da várzea, na bateria de alambrado, muitas vezes fiz do futebol a minha folia e do terrão a minha avenida.



Foto: Cassimano



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