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domingo, 19 de maio de 2013

O ENCOSTO DA ARTE (por Michel Yakini)




Há quem diga que o artista é um ser difícil: umbigueiro, esteta puritano, egoísta e desbundado são algumas das acusações. Por conta da confusão entre artista e celebridade, ser artista se tornou um pecado capital, e a arte e seu espetáculo um inferno, sem volta.
O engraçado é ver os burocratas e suas boinas frustradas, aderindo à arte (o pecado que assombra a verdade), por não conseguirem emocionar ninguém com seus discursos empoeirados e suas babas de incoerência. Eles tem se valido do espaço da arte pra plantar minas explosivas no território da criação.
Eles não cantam, não dançam, não versam, não pintam, não tocam, não colaboram, não fode e nem saí de cima! Mas adoram um palco, tem orgasmos por holofotes quando cospem no microfone e o pior: tem um ego equivalente a de seus gritos e esbravejadas. Um ego revestido de palavras como: coletivo, atitude, luta, irmão, tamô junto, eu respeito... e mais um monte de vocabulário aprendido nas escolinhas do movimento estudantil.
Nunca aceitam ser coadjuvantes, só querem os louros da liderança e da persuasão, e normalmente tem alguns capachos pra massagear e defender seus chiliques, pois eles não querem se expor, preferem ficar de conchavo pra ver se acusa alguém de não respeitá-lo. Gostam mesmo é de supervisionar, vigiar, deixar tudo limpinho e ficar olhando de perto se algum artista está saindo do seu eixo quadrado.
Como já estão mais manjados que plantar bananeira, eles ficam por aí, caçando um publico qualquer, que carinhosamente chamam de “nossa comunidade”, pra convencê-los de silenciar a música, ignorar a poesia, ficar de cara amarrada e sem ritmo, pra ouvir as “coisas importantes” arquitetadas em uma cadeira concursada, no condomínio engradado ou nas salas de pós-graduação. Mas não dizem nada com essas palavras. Como bons militantes, líderes natos, estudam como construir um bom discurso, como viver de retórica e como fazer a maioria esquentar a mamadeira de seus ideais.
São os exorcistas da arte, e estão heroicamente à solta, impedindo a criação, o descontrole, a liberdade e a arruinação dos seus projetos prontos que não saem do papel. Não são diferentes de um pastor neopentecostal, quando o assunto é arte. Pregam que apresentar um espetáculo, sorrir, celebrar e existir é digno de queimar nos mármores do inferno. Já, já vão chamar artista de encosto, falta pouco.
Dizem que o mundo está se tornando um produto, e a arte é um refém indefeso, inocente, puro, que não entende, ou ignora essa corrupção. Pena que vivem no mundo do capital, onde os alunos são o produto da educação, os pobres o produto da assistência social, os militantes o produto da politica, assim como a arte é um produto da cultura. Agora: alguém pode me dizer o que não é produto nesse mundo? Dou um pirulito colorido com a cara do Marx.
Hora, hora, a arte é nosso terreiro, pode chegar quem quiser, pra experimentar, se confundir, se rever, pra criar e fazer o que bem entender. Mas não é um campo seguro pra quem teme as profundezas, pra quem não coloca o pé no chão, com receio de ficar resfriado, não é território pra gente medrosa, mascarada de coragem. Se não concordam com nossa arte, nos deixe em paz! Não mexa com o que nos é sagrado! Já vai tarde!
Senão estão contentes ao nosso lado, que vão pros gabinetes de algum partido, lá vão encontrar o que precisa. Melhor: Monte o seu partido, peça voto, faça cartilha de conduta, mas não se esqueça de divulgar seus serviços de previsão do futuro, pois vocês tem tudo seguro na palma da mão, sabem de tudo, planejam tudo, não importa a opinião de quem está, de quem chega, e de quem virá.
Mas arte é agua, sacô? Vocês não são tão bons em lógica? Ainda não perceberam?
O pior é que não largam o osso, pois a arte é menina dos olhos. A arte tem público. O que seria de vocês se nossos cantos, nossas cores e nossas músicas não abrissem alas pro “momento-palanque”?
Tudo bem, apesar de vocês não verem nada de importante e combativo em nossa arte, não vou tentar convencer burro brabo empacado em teorias. Mas na hora que vocês forem à minoria, tentem exercer a democracia que vocês tanto gostam, mas não praticam. É lógica tá, bebê? Não é isso que vocês vivem nos ensinando?
Já é um saco aguentar ego de artista com mania de celebridade, mas o pior mesmo é aguentar ego de charuto-cubano-com-chilique-de-filho-único. Santa paciência!
Ah, só mais um toque: Se vocês não gostam e não veem nada de interessante na arte, nos palcos, nos shows e nos espetáculos, principalmente quando é a gente, “os pecadores”, que estão lá, parem de comprar ingresso no SESC, parem de ir à Virada, de procurar show gringo pra pagar um sapo, não ouça música, não vá ao teatro, não frequente exposições, não dance desengonçado, não faça poesia, tire a máscara! Assim você pode ter uma moral equivalente pra falar com quem não tem esse acesso.  Até porque a arte mexe com energia, com fluido e se você vê nela um demônio, tá de braço cruzado no terreiro. Sacô?
A terra é redonda e é pra girar!











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